Mediação Familiar e a Filiação por Fecundação Artificial
No Brasil há situações em que a concepção poderá ser conseguida por meios científicos e a legislação regulamenta essas modalidades de filiação.
Um dos procedimentos é a inseminação artificial, metodologia de baixa complexidade consistente em injetar o material genético do homem (espermatozoides) diretamente no útero da mulher, objetivando a fecundação do óvulo para gerar o embrião, sendo certo que, referido procedimento de fecundação é o mais parecido e próximo do natural.
Existe outro procedimento científico, denominado de fertilização in vitro, sendo essa metodologia de alta complexidade, que inicialmente era indicada para mulheres inférteis, contudo, essa técnica se tornou uma alternativa de tratamento para infertilidade, sendo indicada para mulheres que queiram gestar em idade materna avançada, ou quando da ocorrência da mulher ter feito laqueadura, ou do parceiro ser vasectomizado, ou ainda na hipótese da incidência de fatores genéticos, abortos de repetição, e obstruções na trompa.
Salienta-se que, nestas hipóteses de tratamento, há uma preparação para que o procedimento ocorra, visto que o sêmen coletado pode vir do marido, do parceiro, de um amigo ou de um banco de esperma quando um doador não é encontrado ou na hipótese de esterilidade.
A pessoa ou casal que pretendam fazer esse tratamento, deverá procurar por um médico especialista em reprodução humana, além de passar por uma avaliação e bateria de exames, com o intuito de que o paciente, ou pacientes, tenham diagnosticado qual o melhor procedimento a ser realizado, se o mais comum ou o complexo.
O Código Civil Pátrio, no artigo 1.597 e incisos, regulamenta e reconhece essas modalidades de filiação por métodos artificiais, estabelecendo que se presumem concebidos na constância do casamento, os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido, ou, quando se tratar de embriões excedentários, os filhos havidos a qualquer tempo, e ainda, na inseminação artificial heteróloga, os filhos havidos, desde que haja prévia autorização do marido.
E para maior compreensão dos institutos, conceituam-se as formas de fecundação artificial a seguir:
– Fecundação Artificial Homóloga: é uma forma de inseminação na qual são manipulados o material genético da mulher (óvulos), e o material genético do homem (sêmen), esse método artificial substitui a concepção natural, porque, há impossibilidade ou deficiência para gerar de um ou de ambos os cônjuges, sendo que a paternidade não é discutida nem objeto de dúvidas, em razão do material genético colhido pertencer ao marido ou ao companheiro;
– Fecundação Artificial Heteróloga: é uma forma de inseminação na qual são manipulados o material genético da mulher (gâmeta), e / ou, o material genético do homem (espermatozoide), sendo que esse material genético em uma ou ambas hipóteses, pertence a um terceiro anônimo, o qual poderá doar os espermatozoides, os oócitos, os embriões, o útero de substituição (barriga solidária), ou uma combinação desses métodos, e isto ocorre porque, um dos cônjuges ou ambos, sendo inférteis, se valem desta técnica de fertilização para realizar seu desejo, diante das dificuldades que os impedem, de ser mãe ou de ser pai.
As modalidades mencionadas de filiação por fecundação assistida, são protegidas pelo Estado face ao princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção da família, presentes na Constituição Federal e na Resolução nº 2.168/2017 do CFM – Conselho Federal de Medicina, ao estabelecer quanto à modalidade heteróloga que, o sigilo sobre a identidade dos doadores do material genético, e ainda, dos receptores, será obrigatoriamente mantido, salvo em situações especiais, relativas às informações sobre os doadores, tudo por motivação médica, sendo os dados fornecidos exclusivamente aos médicos, resguardando a identidade civil dos doadores.
O sigilo de identidade mencionado, acaba sendo um embate de direitos entre os doadores e o filho havido desta forma de tratamento, vez que, para a pessoa que doa e fornece o material genético lhe será garantido o direito ao anonimato, porém, ao filho concebido por essa técnica médico-cientifica é garantido o direito ao conhecimento de sua ascendência genética, pelo mesmo princípio e proteção constitucional anteriormente mencionados.
Importante frisar, que falta legislação específica para regulamentar as várias situações resultantes destas modalidades de filiação por fecundação assistida, apesar de que, a legislação existente e a interpretação jurisprudencial, são capazes de produzir os efeitos pessoais e patrimoniais, em igualdade de direitos e deveres aos da filiação por concepção natural, em relação aos pais e aos filhos.
Decisões atuais são tidas como exemplos de como o Poder Judiciário vem se posicionando quanto a inseminação artificial, diante da regulamentação da matéria e na ausência desta.
Quanto à implantação de embriões após a morte de um dos cônjuges o Superior Tribunal de Justiça, em votação de 3 a 2, fixou que a implantação do material genético, necessita de manifestação inequívoca, expressa e formal do cônjuge falecido.
Na situação in concreto, os filhos herdeiros universais do homem falecido, contestaram decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia permitido que a ex-esposa do pai, realizasse a fertilização artificial, porém, Marco Buzzi, Ministro Relator e voto vencido, permitiu a implantação, ponderando sobre o desejo do falecido em ter filhos com a esposa, contudo, o Ministro Salomão, em voto vencedor divergente, não autorizou a realização do ato de inseminação, pois, havendo efeitos de repercussão existencial e patrimonial após a morte do pai, é imprescindível a manifestação expressa e formal do falecido. (https://www.migalhas.com.br/quentes/346777/stj-proibe-implantacao-de-embrioes-apos-morte-de-um-do-conjuges).
Já na ocorrência de procedimento de auto inseminação, o Poder Judiciário entendeu que o registro poderá ser realizado, conforme decisão recente da Juíza de Direito, Doutora Elaine Cristina de Souza Freitas, da 1ª Vara Cível de Laguna/SC, que julgou procedente uma ação para registro de nascimento de uma criança, em que se requeria a filiação com dupla maternidade, face à gestação resultante de auto inseminação caseira. (https://www.migalhas.com.br/quentes/346087/crianca-gerada-por-inseminacao-caseira-tera-registro-com-duas-maes).
Válido mencionar quanto aos casais homoafetivos, que a fertilização heteróloga é uma opção regulamentada e protegida pela Lei e a Resolução do CFM, exemplo disso, para os casais homoafetivos femininos apenas uma das parceiras poderá participar do processo de concepção e gestação do bebê, ou na hipótese da fecundação in vitro, ambas as parceiras poderão participar do procedimento, sendo classificada de gestação compartilhada em função dessa particularidade.
No caso de casais homoafetivos masculinos há a possibilidade de mescla do material genético para a fecundação artificial, o sêmen dos dois pais é utilizado para fertilizar os óvulos doados, gerando assim os embriões a serem implantados no útero de substituição, que é a barriga solidaria, garantindo-se com isso a paternidade afetiva de ambos os envolvidos, diante do sigilo da paternidade biológica.
Observa-se que, não sendo resolvidas de forma pacífica, as questões sobre inseminação artificial, direitos, deveres, efeitos pessoais, e efeitos patrimoniais resultantes desta prática de fertilização para a concepção dos filhos, poderão os envolvidos nas controvérsias inter-relacionais, procurar preventivamente pela Mediação Familiar, que é um método adequado de solução de conflitos.
A solução de conflitos nas questões de filiação por fecundação artificial
A Mediação é uma modalidade de resolver os conflitos, sendo que os interessados podem preventivamente e de forma conjunta, auxiliados por um Mediador, nas sessões que tratem de questões que envolvam a filiação por inseminação homóloga ou heteróloga, encontrar soluções, e dentre elas, uma possível e viável para a resolução da controvérsia, tudo conseguido através de um diálogo entre as partes, preservando-se assim, o relacionamento dos mediandos, além de viabilizar a intermediação entre os envolvidos, levando-se o pactuado à homologação.
Havendo um processo em andamento, em que se discute a realização, o resultado, ou demais fatores, sobre a fecundação artificial, havendo interesse dos litigantes, eles poderão optar pela Mediação, e caberá aos seus Advogados peticionar ao Juízo, requerendo que antes de proferida a sentença, sejam as questões relativas ao conflito levadas a uma sessão de Mediação, para a tentativa de composição, e existindo acordo este será dirimido pelo Juiz da causa.
Portanto, optando os conflitantes pela Mediação como forma de solucionar seus conflitos, se depararão os mediandos com as fases de uma sessão, em que serão aplicados os princípios e as técnicas, objetivando tornar mais ágil e efetiva a busca pela solução e pacificação das questões e relações dos envolvidos, dirimindo sobre diretos e deveres, de modo a garantir a segurança jurídica do que fora entabulado a respeito da inseminação artificial, resolvendo o conflito por intermédio de uma composição registrada em um termo de sessão e homologada pela Autoridade.
Conclusão
Verificou o leitor com base na matéria, que no País há regulamentação da filiação por fecundação artificial, e que a inseminação poderá ser realizada de forma homóloga ou heteróloga.
Ademais, a pessoa ou o casal que pretendam fazer esse tratamento, deverá procurar por um médico especialista em reprodução humana, além de passar por uma avaliação e bateria de exames, com o intuito de que o paciente, ou pacientes, tenham diagnosticado qual o melhor procedimento a ser realizado.
Demais disso, as modalidades mencionadas de filiação por fecundação assistida, são protegidas pelo Estado face aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e a proteção da família, além de ser preservado o sigilo de identidade dos doadores de material genético, e do útero solidário, sendo-lhes garantido o direito ao anonimato.
Todavia, por falta de regulamentação específica, ao filho concebido por essa técnica médico-cientifica, é garantido o direito ao conhecimento de sua ascendência genética, pelo mesmo princípio e proteção constitucional anteriormente mencionados.
Elucidou-se ainda, que a Mediação é uma forma adequada de resolução de conflitos, em que os mediandos não delegam suas vidas para uma pessoa resolver, mas são as partes-conflitantes que empoderadas irão dirimir sobre suas questões, nas fases da sessão de mediação, e o Mediador aplicará princípios e técnicas, a fim de que os envolvidos cheguem a composição e a pacificação da contenda sobre a temática de filiação por fecundação assistida.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas e/ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.br
ANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado da APAMEC e comentarista do Jornal APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com