O Abandono afetivo e suas consequências
Durante a semana, dois casos envolvendo Cid Moreira, antigo e famoso apresentador da Rede Globo de Televisão, ganharam a mídia e trouxeram à tona questões pessoais com seus filhos, às quais abordam a temática do Abandono Afetivo.
O filho adotivo de Cid Moreira, Roger Felipe Moreira, relatou em diversas plataformas e canais de notícias que após se assumir homossexual, seu pai rompeu o vínculo de parentalidade com ele abandonando-o afetivamente.
Informou ainda que, em razão da decepção em saber de sua opção sexual, seu pai o deserdou, conforme documento de próprio punho, esclarecendo que havia sido “um engano adotá-lo”, ponderando que, “você continua sendo meu filho adotivo porque não consegui reverter a adoção”, juntando documentos e pareceres que comprovavam sua sanidade.
É certo que a legislação prevê a possibilidade de os filhos serem deserdados por abandono afetivo inverso, ou seja, quando os filhos faltam com os cuidados aos pais, isto significa que o testador pode afastar um herdeiro necessário de sua parte legítima da herança, conforme previsto no Artigo 1.814, combinado com o Artigo 1.962, ambos do Código Civil, sendo que referidos dispositivos legais enumeram as hipóteses de ocorrência da deserdação.
Referido impasse, não se limitou ao filho adotivo, e após a matéria ter sido veiculada, o filho biológico do apresentador, Rodrigo Moreira, esclareceu que ele também foi abandonado pelo pai, pontuando em diversos veículos de comunicação, que seu genitor nunca lhe despendeu afeto, e que esse abandono afetivo ocorreu “a vida inteira”, desde que sua mãe se separou do pai, por motivos de violência doméstica, Cid não lhe procurou mais, motivando inclusive o ingresso de uma ação para pleitear uma indenização em decorrência da ausência de atenção e afeto.
Conceituando o Abandono afetivo, tem-se que é a omissão aos cuidados da criação, companhia e assistência moral, psicológica, social, religiosa, educacional e afetiva, que os genitores ou os responsáveis legais devem às crianças ou aos adolescentes.
Exemplos como os mencionados acima, ocorrem com diversos filhos, porque, os pais ou as mães, não aceitam o filho demonstrando seu desprezo por ele, nunca o procurando ou visitando, mesmo que tenham regulamentado as visitas e a convivência em sede de um acordo, porém, sem honrar o pactuado.
O abandono afetivo, pode ocorrer também quando os genitores vivem maritalmente ou são casados, e esses pais e mães não dão o mínimo de atenção e cuidados aos filhos, desprezando-os completamente, além de nunca os acompanhar em afazeres escolares, nas brincadeiras, ou em eventos sociais, delegando essas atribuições a outros parentes ou funcionários, ocupando-se exclusivamente com seus trabalhos ou a vida social.
Diante de uma vida e uma rotina exaustiva, hoje em dia, a atenção dos genitores para com seus filhos fica quase nula, as crianças tendem a ter mais afinidade com seus smartphones do que com seus pais, e por esse motivo o abandono afetivo pode ocorrer sem que se tenha a sua efetiva percepção.
Os tribunais nacionais não estão decidindo de forma unânime quando o assunto é abandono afetivo, porque não se pode impor juridicamente que alguém ame outra pessoa, nem que lhe dê atenção ou carinho, o que se consegue impor aos responsáveis legais é o dever de cuidar, tendo em vista ser uma obrigação civil.
A prática dessa negligência em relação aos filhos menores de idade, faltando com o afeto e com os deveres legalmente garantidos, poderá gerar ao agente uma penalização que se traduz pelo pagamento de uma indenização à título de danos materiais e morais, além de responder pelos crimes de abandono intelectual e / ou material, com penas de detenção.
O prazo prescricional para que a parte abandonada ingresse com uma demanda objetivando eventual indenização, inicia a partir do final do “pátrio poder”, isto é, quando cessar a incapacidade civil do filho e ele atingir a maioridade ao completar 18 (dezoito) anos de idade, é o que se deu no caso do filho biológico do apresentador de televisão mencionado no início do artigo.
Contudo, a responsabilidade criminal ou a condenação ao pagamento de reparação civil não diminuem ou induzem a cessação da dor do abandonado, há uma sensação de justiça tão somente, o que não elimina nem soluciona o conflito, ocasionando uma ruptura nas relações pessoais, aumentando ainda mais o sofrimento, a sensação de abandono e de desprezo.
Como solucionar os conflitos provenientes do abandono afetivo?
Atualmente o Sistema-brasileiro de resolução de litígios é denominado Justiça Multiportas, isso significa que temos hoje um mecanismo de aplicação de meios adequados de resolução de conflitos a partir do qual, as partes em contenda têm à sua disposição variadas formas de estabelecerem acordos autonomamente com o auxílio de um terceiro facilitador, ou resolver suas questões com a intervenção direta e decisiva de um terceiro adjudicador.
Dentre as chaves para ingresso nesse Sistema Multiportas, temos os seguintes métodos:
– Mediação e a Conciliação;
– Negociação;
– Arbitragem;
– Judiciário; e,
– Práticas Colaborativas dos Operadores do Direito.
Havendo vontade dos envolvidos nas questões de abandono afetivo, poderão de forma preventiva procurar pela Mediação, que é um método adequado de solução de conflitos, designa-se assim uma sessão onde o Mediador aplicará e esclarecerá sobre os meios e as técnicas necessárias a serem aplicados, e os mediandos-conflitantes de forma autônoma, ou seja, de acordo com sua vontade e com o auxílio desse terceiro facilitador, conseguirão entender do conflito e sua natureza, encontrando possíveis e viáveis resultados, chegando à solução conjunta e pacífica da questão.
Caso os conflitantes já tenham procurado inicialmente pela Justiça, sendo da vontade dos litigantes, poderão optar pela Mediação, na modalidade judicial ou extrajudicial, solicitando ao magistrado que antes de prolatada uma sentença, a discussão dos autos seja levada a uma sessão de Mediação, para a tentativa de composição, e existindo acordo este será levado à anuência da promotoria e após à homologação pelo juiz da causa.
Observa-se que, a negligência e a omissão aos cuidados da criação, companhia e assistência moral, psicológica, social, e afetiva, podem gerar aos envolvidos no abandono afetivo, principalmente nos abandonados, além da necessidade de participação em uma Mediação, a da realização de um tratamento multidisciplinar, utilizando-se de terapias e oficinas de parentalidade, nas quais os envolvidos na questão conflituosa saberão como agir diante da circunstância de proteção da criança ou idoso, refletindo esse tratamento de forma positiva e significativa no convívio familiar, reforçando ainda mais os vínculos de parentalidade existentes.
Conclusão
Da leitura do artigo conclui-se que, diversas são as ocorrências e graus do abandono afetivo, podendo se dar em relação as crianças que estão em formação ou dos filhos que já atingiram a maioridade, e ainda dos filhos em relação aos pais, ocasionando uma ruptura nas relações pessoais, aumentando ainda mais o sofrimento, a sensação de abandono e de desprezo, culminando em danos irreparáveis aos abandonados.
Demais disso, eventual responsabilidade criminal ou condenação ao pagamento de reparação civil não diminuem ou induzem a cessação da dor dos abandonados, mas tão somente estariam diante de uma sensação de justiça, o que em si, não minimiza, elimina ou pacífica o conflito.
Percebe-se também que, de forma preventiva a Mediação Familiar, que é um método adequado de resolução de conflitos, poderá ser um meio de solucionar as questões relacionadas ao abandono afetivo dos filhos, e que poderão os abandonados se valer da Mediação, bem como, de um tratamento multidisciplinar e das oficinas de parentalidade para identificar eventual situação, tanto no aspecto legal quanto no emocional, e via de consequência como resultado encontrar eventuais soluções das questões, reforçando-se os vínculos familiares e afetivos, atingindo-se o bem-estar físico e mental dos envolvidos.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas e/ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.brANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado da APAMEC e comentarista do Jornal APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com