Inventário e suas modalidades
Motivo da crescente no número de abertura de inventários
Durante todo ano de 2020 e no primeiro semestre de 2021, houve uma crescente quanto a abertura e realização de inventários, objetivando regularizar a sucessão dos bens deixados pelas inúmeras vítimas da pandemia do COVID-19 e suas consequências.
No interregno de março a setembro do ano passado, para se ter uma base, houve um aumento na ordem de 45% em relação ao mesmo período de 2019, isso significa que, em números absolutos o País passou da marca de 10.000 processos de partilha de bens em março, para algo em torno de 15.000 processos em setembro de 2020, chegando à marca de 80.000 inventários no intervalo de tempo.
As famílias estão sendo desfeitas e os conflitos se multiplicando, isso porque, além do luto, se avolumam as dívidas contraídas, causadas pelo desemprego e o fechamento dos negócios, bem como, o aumento dos valores dos itens básicos de alimentação e higiene pessoal, e os herdeiros acabam tendo dificuldades em lidar com o dilema, proveniente da divisão dos bens deixados pelo falecido.
A legislação estabelece que ao morrer uma pessoa e existindo bens a serem partilhados pelos herdeiros, obrigatoriamente deverão estes sucessores, regularizar a situação mediante a abertura de inventário para a formalização da partilha dos bens, e este tramite deve ser realizado no prazo de 2 (dois) meses da data do óbito, para não terem os herdeiros que arcar com o pagamento da multa de 10% do valor do imposto devido.
O ente querido que faleceu juridicamente é tratado por inventariado, e o requerimento de abertura da legítima deverá ser exercitado por quem estiver na posse ou administração dos bens e dos direitos deixados pelo falecido, dentre eles podem ser mencionados os herdeiros, que serão divididos em: legítimos, necessários, testamentários e legatários.
Dentre os herdeiros legítimos pode-se mencionar a título de exemplo, os cônjuges vivos, os descendentes, que serão os filhos, os netos, e os bisnetos, os ascendentes, que serão os pais, os avós, e os bisavós, os irmãos, os tios e ainda os parentes de até quarto grau, respeitando a devida linha sucessória.
Quanto aos herdeiros necessários o grupo será composto de forma mais restrita, dentre eles os cônjuges, os descendentes, e os ascendentes, sendo-lhes reservada a legítima, isto é, o equivalente a 50% da herança, independente de eventual distribuição entabulada pelo falecido em um testamento.
No que tange aos herdeiros testamentários, estes poderão ser os amigos, pessoas específicas de lido e do trato com o inventariado, bem como, Fundações, Instituições, Associações, ou, Ongs.
Há ainda os herdeiros legatários, que são as pessoas que receberão uma parte certa, específica, e determinada do patrimônio do de cujus, representada pelo legado.
Particularmente, poderá ocorrer de um herdeiro necessário, o qual recebe parte dos 50% do que a lei lhe assegura, ser também herdeiro legatário, recebendo por exemplo um valor ou bem específico.
Observa-se que, as pessoas enlutadas têm muitas dificuldades em lidar com o conflito, proveniente da divisão dos bens deixados pelo falecido e dos ânimos alterados em razão de uma morte inesperada.
Nessa situação o melhor a ser feito é procurar por um Advogado especialista na área, o qual explicará todas as questões legais, podendo esse profissional ser o mesmo para todos os envolvidos na questão, ou um Profissional para cada parte.
O Inventário poderá seguir pelo rumo amigável após os esclarecimentos jurídicos, mesmo que as partes tenham representação de Advogados diferentes, ou partir daí para o litígio, caso não haja entendimento entre os herdeiros, e isso será crucial para que os Operadores do Direito norteiem os trabalhos dentre as modalidades de inventário existentes.
Modalidades de Inventário
Dentre as modalidades de inventário existem duas a saber: judicial e extrajudicial. O Advogado contratado ou um Defensor Público nomeado é quem instruíra as partes a fim de seguir com a modalidade de inventário pertinente a cada caso.
Seguindo o inventário judicial mediante distribuição de um processo que tramitará no fórum, este será autuado, e após, um juiz verificará o conteúdo dos autos e decidirá sobre as questões mediante decisão adjudicada.
Optando as partes pela modalidade extrajudicial, o inventário tramitará num cartório de notas, e o tabelião após prenotação das informações necessárias, promoverá o inventário mediante escritura pública, formalizando o ato para os devidos registros e averbações.
Nas duas modalidades, o conjunto documental necessário, será instruído com certidão de óbito, documentos de identidade das pessoas envolvidas no ato, e demais documentos de todos os bens a serem partilhados, sejam eles imóveis, móveis, valores constantes em contas ou investimentos, dentre outros.
As partes devem estar cientes de que deverão pagar tanto na modalidade judicial como na modalidade extrajudicial, os custos com o procedimento, que englobam os honorários de seus Advogados, as custas judiciais, os emolumentos cartorários, os impostos e as taxas, e demais valores a serem apurados.
O que deverá ser bem especificado pelo Patrono das partes, é que o inventário judicial poderá ser consensual ou litigioso dependendo do animus das partes, o consensual costuma ser mais breve, mas nem por isso barato, já os envolvidos em eventual contenda tem de se atentar que no caso de litígio, o custo do processo será ainda mais elevado, bem como, o tempo que levará para a demanda ser finalizada em razão da lentidão do Poder Judiciário e das brigas pela divisão da herança, fará com que os bens percam seu valor ao longo do processamento da ação, ou ainda se deteriorem, bem como, percam seu uso, ou pereçam.
Quanto ao inventário extrajudicial, é formalizado por escritura pública em conformidade com o que estabelece o artigo 610, § 1º, do CPC, sendo uma alternativa a ser manejada pelos sucessores em razão de envolver custos menores e ainda por ser mais célere, porém, nessa modalidade de inventário os herdeiros deverão estar em pleno consenso do que for formalizado, devendo ainda as partes serem capazes e maiores de idade, do contrário somente judicialmente poderão ser formalizados os direitos sucessórios.
O inventário será qualificado por positivo, isto significa que o falecido deixou bens a serem inventariados e os herdeiros têm conhecimento disso, porém, na hipótese de o de cujus não ter deixado bens a inventariar, ou seus herdeiros necessitarem ter a certeza da comprovação dessa situação, poderá ser promovido o inventário negativo, sendo certo que a legislação não o capitula, mas a jurisprudência e a doutrina o têm admitido.
O inventário negativo será formalizado para: evitar cobranças de credores em relação aos herdeiros, na hipótese de eventual substituição processual, outorga de escritura pública quando vivo, ou quando da baixa e encerramento de pessoa jurídica sem movimento em nome do falecido.
Ademais, caso a sucessão dos bens tenha sido iniciada por um inventário judicial, será possível aos herdeiros solicitar a desistência da demanda para que possam promover o inventário extrajudicial, sendo que as partes poderão optar livremente em qual tabelião de notas irão promover o ato.
E na hipótese de existir somente um herdeiro, ainda assim, esse sendo maior de idade e capaz para seus atos da vida civil, poderá, acompanhado de Advogado, buscar por um cartório para que o tabelião possa escriturar o inventário ou a adjudicação dos bens deixados pelo falecido.
Outra questão que demanda atenção é que havendo testamento, a legislação estabelece no caput do artigo 610 do CPC, que não poderá ser promovida a modalidade de inventário extrajudicial, contudo, em razão da pandemia e do crescente número do processamento de inventários judiciais, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.808.767, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, decidiu que se o testamento tiver sido registrado judicialmente ou havendo autorização do juízo competente, não há que haver óbice a realização do inventário administrativo, conforme segue:
“A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.”.
Atualmente, dentre as inovações, há com base no Provimento nº 100 de 2020 da Corregedoria Nacional de Justiça, a possibilidade da realização da modalidade de inventário extrajudicial híbrido, também conhecido como misto, isso significa que em razão da pandemia do Covid-19 poderão os sucessores estar em cartório, tanto de forma presencial como de forma virtual, e o ato conterá as assinaturas dos que estejam fisicamente presentes, bem como, dos que comparecerem virtualmente, os quais possuirão certificado digital da plataforma e-notariado, e assinarão eletronicamente o documento, ou ainda, todas as partes poderão anuir com o ato à distância de forma telemática por videoconferência, assinando o documento com sua certificação digital.
Como resolver questões de conflito que envolvam o inventário?
Caso o conflito esteja presente na relação e na questão da divisão do que representa o monte-mor, poderão os herdeiros, de forma preventiva em querendo, resolver a controvérsia buscando pela Mediação, que é um método adequado de resolução de disputas, em que um Mediador-independente, ou uma Câmara de Mediação-particular poderão ser contratados.
Tratando da questão conflitiva, esses Profissionais explicarão sobre a mediação, os princípios e técnicas que a regem, convidará a todos a fazerem parte do processamento da tentativa de composição, e existindo vontade dos conflitantes, numa sessão ou sessões de mediação, que poderão ser presenciais ou por videoconferência, aplicarão os meios e as técnicas necessárias, a fim de que os mediandos, juntos, atinjam à solução pacífica da questão.
Quando todos os conflitantes forem maiores de idade e capazes, poderão, tão logo se componham, na companhia de seus Advogados, se dirigir ao tabelião, em dia e hora designados, a fim de proceder com as formalidades legais para finalizar a questão, escriturando todo o necessário quanto à sucessão, sempre obedecendo as particularidades caso a caso.
Na hipótese de envolver menores de idade e incapazes, a tratativa será dirigida ao Poder Judiciário para a anuência do Ministério Público, na pessoa do Promotor de Justiça, e em seguida será o processo encaminhado ao Juiz para a devida homologação.
Verifica-se que, no processamento da mediação, todos indistintamente saem ganhando, em relação ao tempo e custos empregados, ainda que, a parte-conflitante, previamente tenha contratado um Advogado, esse Profissional sabendo do conflito e da existência da Mediação, que faz parte do Sistema Multiportas de acesso à Justiça, poderá auxiliar seu cliente a fim de optar por este método adequado de resolução de controvérsias, pondo fim ao problema.
Contudo, nem sempre esse é o caminho que se segue, há situações em que o Judiciário é a primeira porta que se procura para a tentativa de solução da questão, e a parte ou partes conflitantes acabam constatando que estão gastando mais tempo e valores para solucionar seu impasse, e consequentemente acabam se frustrando ainda mais quanto a solução de seus conflitos-interpessoais.
Elegendo o Judiciário, não poderão as questões relativas a inventários e partilha de bens, ser processadas pré-processualmente perante os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCS), porque, há impedimento legal, de acordo com o Parecer nº 406/2017-J, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, constante do Processo nº 2017/1123797, sendo admitida a partilha de bens somente perante ação judicial ou cartório de notas via escritura pública, com as particularidades e requisitos legais existentes e as partes sendo assessoradas por Advogados, de acordo com os artigos 610, §§ 1º e 2º, 647 a 658, e 731 a 734, todos do Código de Processo Civil.
Assim, as questões relativas aos bens não poderão ser tratadas naquele ambiente pré-processual dos CEJUSCS, devendo as partes-concordantes, buscar o tabelionato para esse fim, ou, sobre-existindo discordância de qualquer aspecto no que tange a sucessão, resolverão a questão em sede de um processo judicial, tornando a situação mais demorada e onerosa.
Estando as partes de comum acordo, buscarão com auxílio de um Advogado, o cartório diretamente, sempre observando os fatores e minucias mencionadas nos parágrafos anteriores, e havendo animosidade sobre eventuais bens e direitos, e buscando direto a justiça, na modalidade processual, as partes em querendo, por intermédio de seus Advogados, poderão peticionar, requerendo ao juízo que antes de prolatada eventual sentença, sejam as questões relativas aos conflitos, levadas a uma sessão de mediação, para a tentativa de composição, e existindo acordo, será homologado pelo juiz da causa.
Nos ambientes mencionados, sejam extrajudiciais ou processuais, um Advogado poderá ser contratado para tirar dúvidas jurídicas e acompanhar as partes, perante o Mediador-independente, conhecido no meio como ad hoc, perante a Câmara-privada de Mediação, junto aos Cartórios (Tabelionatos), ou nos Fóruns.
Eventualmente caso a parte não disponha de meios financeiros para o pagamento dos honorários dos Profissionais, desde que provada essa condição, poderá se dirigir a uma Defensoria Pública e após sanadas suas dúvidas, e verificadas as minúcias de sua questão, será direcionada pelo Defensor, ao local em que se resolverá o dilema.
Válido lembrar que, existindo um termo de acordo homologado, ou uma sentença transitada em julgado, ou uma escritura assinada por todos os sucessores, em que fora regularizada a situação atinente aos direitos e deveres das partes, as taxas e os impostos serão devidos aos Órgãos pertinentes, e os demais encargos, com averbações, registros, escrituração, e emolumentos, deverão ser pagos, e na hipótese de não cumprimento do pactuado o que fora formalizado poderá ser executado.
Conclusão
Espera-se com esse artigo, que o leitor tenha entendimento sobre as razões de aumento do número de inventários, suas modalidades, e a quem buscar auxílio para resolver as questões da sucessão e partilha de bens, seja de forma extrajudicial ou judicial, além de aclarar sobre a Mediação, e apresentá-la como um dos métodos mais adequados de resolução de conflitos.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas e/ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.br
ANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado da APAMEC e comentarista do Jornal APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com