Inventário: todos os bens devem integrar a partilha?
Dando continuidade ao estudo sobre o Direito de Família e das Sucessões, na figura do Inventário, a preocupação dos herdeiros ou sucessores é quanto à relação dos bens que deverão incorporar o formal de partilha.
Diante da notícia de falecimento do proprietário de bens móveis, imóveis, direitos e das obrigações, são os herdeiros que assumem a responsabilidade pela organização documental, contratação de um Advogado especialista na área, bem como, formalizar o competente registro do Inventário.
Inventário é um ato obrigatório e integra todos os bens do de cujus, que é a pessoa falecida.
Já os Herdeiros são aqueles que recebem por transmissão, em razão do falecimento, todos os bens deixados pelo falecido, preservando-se o quinhão de 50% (cinquenta por cento) que pertença ao cônjuge ainda vivo, conforme previsão legal do artigo 1.784 do Código Civil.
Salienta-se ainda que, não pode o cônjuge supérstite (sobrevivente), aproveitar o mesmo inventário para transmitir a sua parte àqueles herdeiros, mas poderá fazê-lo através de escritura pública independente.
Sobre uma eventual demanda da participação ou não desse cônjuge supérstite na sucessão dos bens pelo falecido, como herdeiro necessário, em concorrência com os descendentes do falecido, tem seus critérios definidos na legislação conforme artigo 1.829 do Código Civil.
Demais disso, eventual renúncia promovida por qualquer dos sucessores, deverá ser por instrumento público ou por termo judicial.
Portanto, neste tópico, o estudo versará sobre os bens que não integram o monte-mor (total dos bens a partilhar constantes do inventário), isto porque, nem todos os bens precisarão constar do formal de partilha ou da sobrepartilha, pois, serão transmitidos aos descendentes ou beneficiários de forma diversa.
Dos bens que não integram a partilha no inventário:
1) Bens de Meação:
A meação representa a metade ideal do patrimônio comum do casal, da qual faz jus cada um dos cônjuges.
Na união em que se estabelece o regime da comunhão universal de bens, todos os bens se comunicam, tanto os adquiridos antes do matrimônio como os adquiridos posteriormente ao casamento, porém, se o casamento for por comunhão parcial de bens, se comunicam os bens adquiridos após o matrimônio, e na hipótese de existirem cláusulas restritivas quando da formalização da união, os bens adquiridos não se comunicam.
Quanto a metade ideal representada pela meação do falecido terá direito o viúvo à 50% do patrimônio deixado, mas não a título de herança, e sim como sua meação.
Os bens de meação não incorporarão os do inventário, sendo certo que, o cônjuge sobrevivente não poderá dispor de seus bens no mesmo inventário que o do falecido, vez que, para isso, poderá fazer a destinação por escritura pública em cartório de notas.
2) Seguro de Vida:
O seguro de vida é um contrato estabelecido entre uma pessoa que será a titular da apólice de seguro, denominada segurado, e uma empresa seguradora, a qual promete pagar ao beneficiário designado pelo titular, eventual quantia, quando do evento morte do segurado.
Como beneficiários poderão constar parentes ou não, e o valor pago ao indicado não é uma herança, não compondo o valor do monte-mor (soma de todos os bens), sendo certo que, esse valor incorporará o patrimônio do beneficiário na apólice, inclusive, deverá declarar o recebimento da quantia no imposto de renda.
Na hipótese do beneficiário ser menor de 18 anos, só receberá a indenização ao completar a maioridade, e eventualmente se não for indicado pelo contratante-segurado quem será o beneficiário, a indenização será paga no importe de 50% ao cônjuge sobrevivente, desde que esse cônjuge não seja separado judicialmente, e os outros 50% da quantia paga será destinada aos demais descendentes, se houver, observando a ordem legal hereditária.
Referida quantia paga pela seguradora não será objeto de quitação das dívidas do segurado ou da sucessão.
Haverá ainda situações em que o segurado poderá contratar de empresa especializada, o denominado seguro funeral, que tem por objeto ressarcir as despesas com o sepultamento do segurado, de acordo com o valor contratado, após a apresentação dos documentos comprobatórios.
3) DPVAT
DPVAT é o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, ou por sua Carga, a pessoas transportadas ou não, ele foi criado pela Lei n° 6.194/74, com a finalidade de amparar as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional, não importando de quem seja a culpa dos acidentes (cfr. http://www.susep.gov.br/setores-susep/cgpro/dpvat).
A indenização dessa modalidade de seguro, deverá ser requerida pelo cônjuge ou demais parentes da vítima, no prazo de até 03 (três) anos da data do infortúnio, conforme os requisitos legais, em consonância com a legislação da época do requerimento. (cfr. Decreto nº 2.867, de 8 de dezembro de 1998, Portaria Interministerial nº 4.044/98, Circular Susep nº 608, de 19 de junho de 2020, Resolução CNSP nº 398, de 29 de dezembro de 2020, Resolução CNSP nº 399, de 29 de dezembro de 2020 e Resolução CNSP nº 400, de 29 de dezembro de 2020).
O valor desse seguro não integra os bens a serem inventariados, pois os beneficiários podem fazer seus requerimentos nos pontos autorizados e acompanharem diretamente no site do DPVAT.
4) Pensão Previdenciária por morte do Segurado:
Pensão Previdenciária por morte do Segurado é um benefício previdenciário pago pelo INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social, aos dependentes de um trabalhador que faleceu ou que teve a morte declarada pela Justiça, na hipótese de desaparecimento depois de 06 (seis) meses de ausência.
O valor da pensão por morte para o cônjuge será equivalente a uma cota familiar de 50% do valor da aposentadoria recebida pelo falecido ou do que teria direito de receber se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10% por dependente, até o máximo de 100%.
Tendo em vista tratar-se de um benefício previdenciário não será elencado no monte-mor para a realização do inventário.
5) Previdência Privada:
Previdência Privada é uma aposentadoria que não está ligada ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, sendo representado por um plano para o qual o Segurado contribui para uma instituição privada objetivando perceber, ao atingir a idade estipulada no contrato, verbas mensais a título de aposentadoria complementar, sendo essa uma alternativa ao benefício pago pela Autarquia Federal, complementando assim uma renda futura.
Somente os beneficiários indicados pelo Segurado poderão requerer a restituição dos valores contratados junto aos planos de previdência privada, e referida verba não integrará o monte-mor a ser partilhado com os herdeiros.
No entanto, os demais herdeiros podem requer judicialmente a partilha do valor, principalmente quando o contratante-segurado tenha transferido para a previdência privada valores superiores à 50% de seu patrimônio total.
Poderá haver nesta hipótese a descaracterização do plano da previdência privada, para caracterizar a intermediação como uma aplicação financeira, oportunidade em que o beneficiário deverá partilhar referida quantia com os demais herdeiros.
6) Restituição do Imposto de Renda:
Restituição do Imposto de Renda é a devolução de uma quantia paga a maior quando da declaração do imposto de renda junto ao Fisco.
Observa-se que, na hipótese de o declarante pagar valores a menor deverá complementar o pagamento do imposto, contudo, se pagou valores a mais, terá um saldo a restituir pela Receita Federal.
No caso de falecimento do declarante do imposto, e esse não tenha bens nem herdeiros, será obrigatória a apresentação de um alvará judicial ou de uma escritura pública extrajudicial que defina o direito do sucessor sobre a quantia relativa à restituição, porém, se o de cujus deixou bens, será necessária a abertura de um inventário.
7) Verbas Trabalhistas:
As Verbas Trabalhistas conforme a lei, são aquelas em que o trabalhador com contrato de trabalho tem direito quando a relação laboral com a empresa-contratante findar, sendo exemplos dessas verbas o aviso prévio, as horas extras, o salário-família, férias vencidas, férias proporcionais, fundo de garantia e demais a serem relacionados.
Nas lições do Professor Sérgio Pinto Martins: “Falecendo o empregado e havendo herdeiros, certos direitos serão transferíveis, como o FGTS, o saldo de salários, as férias vencidas e as proporcionais” – Súmula 171 do SRF – e o 13º salário” (Sérgio Pinto Martins. Direito do Trabalho).
As pessoas que estão relacionadas nos registros da Previdência Social como dependentes é que têm direito sobre as verbas trabalhistas do trabalhador-segurado falecido.
O que se deve esclarecer é que os valores das verbas trabalhistas rescisórias no caso de falecimento do empregado, não serão pagos diretamente em conta salário ou corrente de titularidade do falecido ou de seus dependentes, essas quantias deverão ser quitadas pelo empregador perante a Justiça do Trabalho, mediante ação de consignação em pagamento.
Eventualmente se a empregadora não realizar o pagamento dessas verbas por consignação, os dependentes do empregado que faleceu poderão intentar uma ação trabalhista, em sede da qual irão requerer o pagamento do valor das verbas trabalhistas a que têm direito, razão pela qual não será necessária a abertura de inventário para essa finalidade.
8) FGTS e PIS/PASEP:
Os valores relativos ao FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e ao PIS/PASEP – Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, são valores depositados pelas empregadoras em contas vinculadas ao NIT – Número de Identificação do Trabalhador.
Havendo o falecimento do empregado, o levantamento dos valores mencionados, poderão ser feitos por homologação, aos dependentes relacionados na Previdência Social como beneficiários ao recebimento de pensão por morte, em quotas iguais, e, na falta, aos sucessores indicados em alvará judicial.
Precluso o prazo para a prova documental necessária, a empregadora se incumbirá de realizar um depósito judicial através de uma ação de consignação de pagamento, e posteriormente os dependentes ou sucessores farão o levantamento do valor por meio de alvará judicial, não havendo necessidade de abertura de inventário para essa finalidade.
9) Comodato:
Comodato, também conhecido como empréstimo para uso, é um empréstimo gratuito ou uma concessão gratuita de qualquer coisa móvel ou imóvel, referido empréstimo ou concessão será condição contratual, por tempo certo e determinado.
A utilização do bem que está em comodato, não fará parte do inventário, porque, a colação das quantias relativas ao uso gratuito, só seriam possíveis se ocorresse a transferência da propriedade do objeto contratual, daí que este bem não é herança e não estará sujeito ao monte-mor do inventário.
Como solucionar os conflitos relativos aos bens que não integram o inventário?
Havendo conflito sobre a divisão desses direitos, importante a busca de um Mediador capacitado, quer seja extrajudicial por prevenção, quer seja judicial, a pedido na ação que esteja em curso, para que se chegue a um competente acordo entre os dependentes, herdeiros ou sucessores.
De qualquer forma, a composição entre todos facilitará a condução da busca pelo levantamento dos valores que não componham o inventário, ou dos que farão parte dele, e tudo se dará de forma mais célere, menos desgastante emocionalmente ou com gastos financeiros desnecessários.
Conclusão
Espera-se com esse artigo, aclarar aos leitores, aos dependentes, aos herdeiros ou aos sucessores legais, que estejam atentos aos requisitos próprios de seus requerimentos sobre eventuais direitos deixados pelo falecido e à orientação técnica e eficaz de um Advogado especialista, bem como, elucidar sobre a Mediação e apresentando-a como um dos métodos mais adequados de resolução de disputas.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas e/ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.br
Autores:
WERA LUCIA MUNIZ, Advogada, Conciliadora e Mediadora Judicial com capacitação nos termos da Resolução nº 125/2010 CNJ, atuante no CEJUSC de OUROESTE SP, associada e ccomentarista da APAMEC.
e
ANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado da APAMEC e comentarista do Jornal APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com