A irrepetibilidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade, incompensabilidade, e reciprocidade do direito aos alimentos
A Legislação que trata da matéria e do tema pensão alimentícia, estabelece que os alimentos são um direito que visa suprir as necessidades básicas de quem os recebe, objetivando a sobrevivência e manutenção do beneficiário, conforme dita o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.
Com efeito, os alimentos são uma verba ou prestação, destinadas à satisfação das necessidades daquele que não pode prover a própria subsistência.
Fazem jus a esse benefício: os filhos menores; os filhos incapazes em qualquer idade; os filhos que estejam cursando ensino técnico ou superior; o (a) ex-cônjuge ou o (a) ex-companheira; a grávida durante o período da gestação; e o parente que comprove estado de necessidade.
Na quantia paga a título de pensão alimentícia, estarão englobados os importes relativos à alimentação em si, a educação-escolar, as roupas, a assistência médica e odontológica, ao lazer e ao bem-estar, como visto em programas e artigos anteriores veiculados pela APAMEC.
Demais disso, a prestação alimentar poderá ser adimplida em pecúnia, in natura, ou de forma mista, isso significa que ela poderá ser paga em espécie (dinheiro), ou será cumprida diretamente mediante a entrega dos bens de consumo (cesta básica, leite, fraldas, remédio), ou será quitada de forma mista, ou seja, parte em dinheiro, parte in natura, e parte com pagamentos de benefícios diretos (adimplemento da pensão fixada em espécie, mais a entrega de cesta básica ou de um medicamento, mais o pagamento da parcela dos alugueis, ou da mensalidade escolar, ou do plano de saúde, de forma direta aos credores).
Certo que, referidos deveres e direitos decorrem dos vínculos conjugais e de parentesco, razão pela qual visam garantir a subsistência do alimentando, sempre verificando as questões da necessidade, possibilidade, proporcionalidade, e razoabilidade, conjugando-se os artigos 1.694 e 1.695, do Código Civil.
Salienta-se ainda, que os alimentos são irrepetíveis, irrenunciáveis, intransmissíveis, inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis, incompensáveis, bem como, dotados de reciprocidade.
A irrepetibilidade dos alimentos já pagos, consiste na impossibilidade de restituição por parte do beneficiário-alimentando dos valores recebidos do alimentante.
Esclarece-se que, caso a pensão alimentícia seja denegada em razão de decisão judicial, ainda assim, os alimentos já pagos serão irrestituíveis, mesmo quando seja verificado juridicamente, que os alimentos prestados anteriormente não eram devidos, ou fora reconhecido um erro.
A Lei não prevê por antecedência o direito à devolução dos alimentos prestados, principalmente diante da determinação de sentença judicial, isso porque, o dever alimentar é matéria de ordem pública.
Contudo, para interromper o pagamento dos alimentos, deferidos num processo em andamento ou em função de sentença judicial terminativa, o correto é a propositura da ação de exoneração de alimentos.
Importante que, o fato de alguém se beneficiar dos rendimentos do trabalho do outro sem justa causa, constitui enriquecimento ilícito, por esse motivo será imposta a restituição dos valores, mesmo que se trate de relações familiares, porque as interações familiares deverão ser regidas pela licitude e bom senso.
Assim, demonstrado o dolo, ou a má-fé, ou ainda o exercício abusivo do direito por parte do beneficiário dos alimentos, poderá o réu-alimentante pleitear, na qualidade de autor, a reparação em um pedido de indenização, sob pena de se caracterizar o enriquecimento sem causa.
No que tange a irrenunciabilidade, conforme o artigo 1.707 do Código Civil, é vedado ao credor renunciar o direito a alimentos e o respectivo crédito é insuscetível de compensação, penhora ou cessão.
Há que se apontar uma divergência nesse assunto, ao examinar o artigo 1.708, pois, nos acordos de divórcio ou dissolução de união estável, os separandos poderão abrir mão, do direito aos alimentos, dispensando a prestação recíproca, isto porque, os ex-cônjuges, possuiriam condições financeiras de se manter.
Porém, o Superior Tribunal de Justiça sumulou a questão da necessidade econômica superveniente, isso significa que, caso a ex-esposa ou ex-companheira tenha renunciado aos alimentos no divórcio ou dissolução da união estável, ela teria direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, desde que comprovada a referida necessidade econômica superveniente pelo princípio fundamental da irrenunciabilidade aos alimentos, (cfr. Súmula 336 do STJ, “A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente.”).
Oportuno apontar que, a obrigação alimentar também é intransmissível, isso significa que sua característica é personalíssima, sendo um direito do alimentando e um dever do alimentante, razão pela qual é concernente à pessoa e específica de quem o recebe ou de quem o paga, daí sua fundamentalidade e pessoalidade.
O fato de a prestação alimentar ser intransmissível, não se confunde com o dispositivo legal contido no artigo 1.700 do Código Civil, que se traduz por uma obrigação subsidiária dos demais parentes, os quais serão chamados a prestar alimentos, na falta ou impossibilidade dos mais próximos, em consonância ao artigo 1.694 do mesmo Código.
Desta monta, giza o artigo 1.700 referido, que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor subsidiariamente, na forma determinada no artigo 1.694 do Diploma Civil Pátrio, podendo os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo digno e compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Conforme mencionado anteriormente, o benefício da pensão alimentícia é questão de ordem pública, caracterizando-se assim sua inalienabilidade, pois o direito à benesse não interessa só ao alimentando, mas também à família, à sociedade, e ao Estado.
Surge dessa premissa, por conta de ser inalienável, o cerne da prestação alimentar, por ocasião da sobrevivência de quem os recebe, sendo inadmissível, portanto, qualquer ato de constrição contra o direito do alimentando.
Isso significa que, o beneficiário aos alimentos não pode ser privado do que é estritamente necessário à sua subsistência, o qual não dispõe de recursos para sua mantença e nem pode prover suas necessidades pelo próprio trabalho, exsurgindo daí a inalienabilidade do benefício alimentar.
Mencione-se que, não podemos em relação aos alimentos, confundir o direito de requerer a pensão alimentícia, com o direito ao recebimento das parcelas do benefício, porque, a própria Doutrina e Jurisprudência Brasileira tratam do assunto ao abordar sobre a imprescritibilidade do direito a alimentar.
O entendimento é formado com base no que dispõe o artigo 206, §2º, do Código Civil, pois: “Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem”, prescreverá, perdendo-se, nesse decurso de tempo, a pretensão do direito ao recebimento das parcelas alimentares.
Desta forma, a prescrição atingirá unicamente as parcelas fixadas ou convencionadas da verba alimentar, porque a Lei estabelece somente o prazo prescricional de 02 (dois) anos para pleitear em juízo o crédito advindo da prestação alimentar fixada judicialmente, e não o direito de pleitear a pensão alimentícia, vez que imprescritível.
A impenhorabilidade das prestações alimentícias decorre do caráter de referido benefício, vez que, ele se estabelece em prol da sobrevivência de quem os recebe, sendo impedido, portanto, a constrição dos créditos alimentares presentes e pretéritos.
Pontua-se, todavia, que “da interpretação conferida ao art. 833 inciso IV e § 2º do Novo Código de Processo Civil, conclui-se que a impenhorabilidade de vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, além dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal, tão somente é relativizada nas hipóteses de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, ou às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais”. (cfr. Acórdão 965953, do TJDFt, votação unânime, Relatora: MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 14/9/2016).
Ademais, a “pensão alimentícia está prevista expressamente no art. 3º, III, da Lei n. 8.009/1990 como hipótese de exceção à impenhorabilidade do bem de família, sendo irrelevante a origem dessa prestação, se decorrente de relação familiar ou de ato ilícito”. (AgInt no REsp 1619189/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA DO STJ, julgado em 25/10/2016, DJe 10/11/2016).
Frise-se também que, os alimentos são incompensáveis, isso porque, não é possível a modificação unilateral, por parte do devedor-alimentante, do modo ou forma de adimplir a prestação da obrigação alimentar estabelecida na decisão judicial.
Exemplo disso, o pai que deve alimentos ao filho, e por mera liberalidade quita a parcela, entregando latas de leite em pó, fraldas, roupas e um ínfimo importe em dinheiro, à responsável legal da criança, diferente do que havia sido acordado e pactuado em juízo, uma vez que as partes convencionaram que o pagamento da verba alimentar seria em dinheiro, acrescida do adimplemento do boleto do plano de saúde em favor do alimentando.
No entanto, esse princípio da não compensação do crédito alimentar não é absoluto, ele poderá ser mitigado, para vedação ao enriquecimento sem causa, isso se traduz da leitura do artigo 884 do Código Civil: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”.
O Superior Tribunal de Justiça vem admitindo excepcionalmente, a mitigação ao princípio da incompensabilidade dos alimentos, conforme segue:
“O desconto indevido realizado nos proventos do alimentante, por erro de terceiro, é passível de compensação nas prestações vincendas relativas à pensão alimentícia, evitando-se o enriquecimento sem causa da parte beneficiária em detrimento da obrigada, autorizando, assim, a mitigação do princípio da incompensabilidade da verba de natureza alimentar. (…). Trata-se de exceção ao princípio da não compensação da verba alimentar, porquanto o desconto atinge rendimento de igual natureza, do alimentante.”. (REsp 1287950/ RJ – RECURSO ESPECIAL 2011/0247651-1 – Relator(a): Ministro RAUL ARAÚJO – Órgão Julgador: T4 – QUARTA TURMA DO STJ, Data do Julgamento: 06/05/2014).
Na exceção serão incluídas as situações de custeio direto de despesas de natureza alimentar, comprovadamente feitas em prol do beneficiário, tais como educação, habitação e saúde.
Com base no que foi apresentado, o direito aos alimentos tem como qualidades a pessoalidade e a intransmissibilidade, além de ser originado do exercício do poder familiar, ou da relação de parentesco, ou do dever de mútua assistência entre cônjuges e companheiros, devendo ser proporcionadas as condições mínimas de sobrevivência dos beneficiários.
O benefício em questão, não é um favor ou uma generosidade, mas sim uma obrigação, a qual será judicialmente exigível, surgindo do conjunto dessas qualificadoras a característica da reciprocidade, a qual decorrerá do dever de mútua assistência.
A correlação obrigacional está presente por exemplo, no caso de divórcio entre cônjuges, ou numa dissolução de união estável, surgindo da separação o dever de assistência mútua entre os ex-companheiros, proporcionando um ao outro, quando do pagamento de pensão alimentícia, as condições mínimas e dignas de sobrevivência.
A reciprocidade ocorre também nas relações entre pais e filhos, e dos filhos em relação aos pais, bem como, entre parentes, pois o benefício aos alimentos, é uma garantia constitucional, prevista no artigo 226 e 229, da Constituição Federal de 1.988, e regulamentada através da Lei nº 5.478/1.968, combinado com o artigo 1.694 e subsequentes, do Código Civil.
Demais disso, para a fixação dos alimentos, deverão ser levados em conta os aspectos relativos à necessidade de quem receberá o benefício e a possibilidade econômica de quem pagará, sempre analisando a questão de forma razoável e proporcional entre os envolvidos.
Verificou-se ainda que, referida verba alimentar é dotada de irrepetibilidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade, incompensabilidade e reciprocidade, sendo levado em conta as particularidades de cada princípio e o caso em análise.
Percebeu-se que, o assunto relativo aos alimentos não é fácil de se lidar, razão pela qual nem sempre as partes resolvem a situação de forma tranquila, muitas das vezes o conflito se instala, e os personagens dessa disputa têm de buscar por auxílio de profissionais capacitados e especializados para a solução do problema, tais como, Advogados, Defensores e Mediadores.
A Mediação e a fixação da pensão alimentícia
Os envolvidos nas questões da fixação de alimentos, nem sempre conseguem resolver o empasse de forma tranquila, necessitando de ajuda para entender da controvérsia e alcançar a solução pacífica para tanto.
Encontrando-se nessa situação poderão os conflitantes com a ajuda de seus Advogados ou Defensores Públicos, procurar pela Mediação, que é um método adequado de solução de conflitos, nela os profissionais informarão às partes sobre os caminhos a serem seguidos, os princípios e as técnicas que regerão os trabalhos, convidando-os a fazer parte do processamento da tentativa de composição.
Querendo participar da Mediação, designa-se uma sessão onde serão apresentados aos mediandos os meios e as técnicas que serão aplicadas, com o objetivo de que os conflitantes em conjunto, cheguem à solução pacífica do conflito, levando o pactuado à homologação.
Caso à parte-conflitante, previamente tenha ingressado com uma ação, sendo da vontade dos litigantes, poderão optar pela mediação, solicitando ao juiz que antes de prolatada uma sentença, sejam as questões dos autos levadas a uma sessão de Mediação, extrajudicial ou judicial, para a tentativa de composição.
Existindo acordo e envolvendo menores ou incapazes, passa-se o entabulado pela análise do Promotor de Justiça, e com a anuência deste, segue o termo de composição para a sentença de homologação pelo Juízo da causa.
Conclusão
O presente artigo tem por objetivo, elucidar sobre a questão da pensão alimentícia, e os fatores da irrepetibilidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade, incompensabilidade e reciprocidade, do direito aos alimentos, além de, existindo conflito quanto à fixação da verba alimentar, a quem buscar ajuda para resolvê-lo.
Demais disso, se pretendeu aclarar sobre o uso da Mediação, apresentando-a como um dos métodos mais adequados de resolução de disputas no contexto familiar.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas e/ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.br
WERA LUCIA MUNIZ, Advogada, Conciliadora e Mediadora Judicial com capacitação nos termos da Resolução nº 125/2010 CNJ, atuante no CEJUSC de OUROESTE SP, associada e colaborada da APAMEC, e comentarista do Jornal da TV APAMEC. Contato: wera.lucia.muniz@terra.com.br
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ANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado e colaborador da APAMEC, comentarista do Jornal da TV APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com