Multiparentalidade e os efeitos jurídicos simultâneos
A filiação como visto em programas e artigos anteriores, é protegida pelo Estado, dado o princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção da família, ambos presentes na Constituição Federal.
Referido instituto é amparado também pelo princípio da afetividade, constante na doutrina e jurisprudência da Pátria, garantindo-se assim, o reconhecimento às novas entidades familiares.
Há algum tempo reconhecia-se a parentalidade em função da consanguinidade ou proveniente da adoção, contudo, hoje a paternidade poderá advir também da multiparentalidade que é uma nova forma de filiação.
A Multiparentalidade é o princípio jurídico pelo qual se reconhece a multiplicidade de pais ou mães perante o registro civil de nascimento, fazendo constar na certidão o nome do pai biológico e do pai socioafetivo, em conjunto com a mãe consanguínea, ou ainda, o nome do pai genitor, em conjunto com a mãe consanguínea e a mãe por sócio-afinidade.
O Conselho Nacional de Justiça com base no Código Civil, interpretação da doutrina sobre o direito de família, e as reiteradas decisões dos tribunais, regulou a matéria sobre multiparentalidade, reconhecendo a possibilidade de constar na Certidão de Nascimento do filho, a dupla paternidade ou a dupla maternidade, em razão da filiação socioafetiva. (cfr. Provimento nº 83 de 14/08/2019 do CNJ).
Estabelece essa normativa que, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva deve ser efetivado de forma voluntária perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, mesmo que seja diverso daquele em que foi lavrado o assento de nascimento.
Demais disso, o ato de reconhecer a filiação socioafetiva é irrevogável, e a sua desconstituição somente se dará judicialmente, desde que provada alguma hipótese de vício de vontade, fraude ou simulação.
Advém desse reconhecimento de parentalidade, efeitos jurídicos simultâneos no campo do direito da família e das sucessões, ocorrendo essa simultaneidade, por exemplo, em relação à pensão alimentícia, à guarda e à herança, diante da filiação multiparental.
Os laços formados entre essas pessoas, sejam por vínculos de sangue ou por socioafetividade, devem caminhar juntos e efetivamente ser benéficos à criança ou ao adolescente, seguindo-se o Princípio do Melhor Interesse do Menor.
Nas relações consanguíneas os direitos e deveres serão perpetrados em razão da base genética e dos direitos advindos desta questão, sendo diverso na hipótese da adoção, isto porque, nesta última, se encerra o laço legal primário, dos genitores com a criança, não persistindo nenhum vínculo de parentesco com a família biológica em questão, surgindo um laço de parentesco secundário em relação à família adotiva.
Diferentemente do que ocorre na adoção, nas relações de multiparentalidade os vínculos com a família natural não terminam, mantém-se, nesse novo instituto, os laços primários, anteriormente existentes, e idealiza-se uma nova relação secundária, a socioafetiva.
Serão mantidos os direitos e deveres provenientes das duas relações, seja na inter-relação preexistente, tanto quanto, na nova que se formou, laços esses que seguem por toda vida, sendo que, nas interações multiparentais pode-se pleitear alimentos, regular guarda e direito sucessório entre os envolvidos.
No caso da pensão, sabe-se que o benefício aos alimentos, é uma garantia constitucional, prevista no artigo 229, da Constituição Federal de 1.988, e regulamentada através da Lei nº 5.478/1.968, combinado com o artigo 1.694 e subsequentes, do Código Civil.
As partes poderão convencionar os alimentos por meio de uma tratativa extrajudicial, ou, não se estabelecendo entendimento entre os envolvidos, uma ação judicial poderá ser distribuída, por um Advogado ou um Defensor Público, especializado no ramo do Direito de Família.
Mediante o peticionamento, esse Profissional, ingressará com a competente ação, para que seja fixado o valor da pensão alimentícia, devendo ser analisados os aspectos relativos ao princípio da necessidade de quem receberá o benefício (alimentando), e a possibilidade econômica de quem pagará, (alimentante).
A questão será analisada de forma razoável e proporcional entre as partes envolvidas, passando pela anuência do Ministério Público quando envolver menores e incapazes, e após segue para a homologação do Juiz.
Assim, nas hipóteses em que se configure a filiação multiparental, o filho deterá o direito de pleitear a efetividade dos alimentos de seus dois pais, ou de suas duas mães, e esse filho deverá assistência aos seus pais ou as suas mães, caso esses precisem, a fim de que na velhice possam viver e ter atendidas às suas necessidades.
Desta forma, nos casos em que ocorra a multiparentalidade, a prestação de alimentos se estende dos múltiplos pais em prol do filho, isso significa que a prestação alimentar deverá ser cobrada de ambos os pais, seja o biológico ou o socioafetivo, sempre analisando a questão de forma razoável e proporcional, além da possibilidade de cada alimentante, objetivando atender as necessidades do alimentado.
Quanto à guarda, ela é uma medida jurídica que regulamenta a permanência da criança ou do adolescente no lar de quem melhor desempenhar a paternidade responsável, e alicerçar a saúde física e mental desse indivíduo.
Na filiação multiparental quando da ocorrência do divórcio ou da dissolução da união estável, a modalidade de guarda mais indicada será a bilateral, também conhecida como compartilhada.
Nesse caso, os pais e a mãe ou o pai e as mães, dividirão a responsabilidade legal pela tomada de decisões importantes relativas aos menores, tudo de forma conjunta e igualitária.
Contudo, deverá ser fixada a residência onde o menor estabelecerá seu lar, cabendo as outras partes o direito de visitar a criança e pagar a pensão alimentícia para o alimentando, questões essas formalizadas mediante acordo entre partes ou por via judicial.
Quanto ao direito sucessório, pode-se mencionar a título de exemplo, os herdeiros legítimos, que englobam os cônjuges vivos, os descendentes, que serão os filhos, os netos, e os bisnetos, os ascendentes, que serão os pais, os avós, e os bisavós, os irmãos, os tios e ainda os parentes de até quarto grau, respeitando a devida linha sucessória.
O filho multiparental em virtude de ter dois pais, uma mãe ou duas mães e um pai, fará jus de herdar bens na linha sucessória de três ascendentes diante da sua condição de filiação.
Inclusive a Quarta Turma do STJ em decisão recente proferida em outubro de 2012, vedou tratamento diferenciado entre pais, biológicos e socioafetivos, no registro civil multiparental.
O colegiado entendeu pela equivalência de tratamento entre as duas espécies de filiação, não somente para os efeitos registrais, mas também para os efeitos patrimoniais decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade.
Diante do reconhecimento conjunto e da possibilidade de filiação biológica e da socioafetiva, vedou-se qualquer discriminação ou hierarquia entre as espécies de vínculo parental. (cfr. https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/04102021-Quarta-Turma-veda-tratamento-diferente-entre-pais-biologico-e-socioafetivo-no-registro-civil-multiparental.aspx).
No caso mencionado, o ministro Antônio Carlos Ferreira, apontou que a determinação de que constasse o termo “pai socioafetivo” no registro de nascimento, seria o mesmo que conferir a filha, parte interessada, posição inferior em relação aos demais descendentes.
Consequentemente, nos registros em que haja multiparentalidade, não constará distinção entre as paternidades ou maternidades, se biológica ou socioafetiva, mas tão somente os nomes dos pais ou das mães multiparentais.
Percebe-se de tudo que foi pontuado, que o assunto da multiparentalidade é novo e carece de regulamentação legal em alguns aspectos.
Ademais, a temática é de difícil lido pelos envolvidos, razão pela qual nem sempre as partes sabem dos seus direitos e deveres ou conseguem resolver a situação de forma tranquila, e muitas das vezes o conflito se instala, e os personagens dessa celeuma tem de buscar por ajuda capacitada e especializada para solução do problema, seja com o auxílio de um Advogado ou um Defensor, e de um Mediador.
Mediação Familiar e a resolução de conflitos nas questões de Multiparentalidade
Salienta-se que, a Mediação é uma modalidade de resolução de conflitos, nela os conflitantes-interessados acompanhados de seus Advogados e Defensores, poderão com o auxílio de um Mediador, encontrar de forma conjunta a solução ou eventuais soluções, e dentre as possíveis e viáveis qual a melhor para resolver a questão conflituosa que envolva a Multiparentalidade proveniente da filiação socioafetiva.
Na Mediação Familiar serão procuradas soluções através do diálogo entre as partes, preservando-se o relacionamento dos mediandos, além de viabilizar a intermediação entre os entes familiares, evitando-se mais prejuízos emocionais dos envolvidos.
O acordo entabulado entre as partes-mediandas, contribuirá para que estas promovam a reorganização das vidas pessoais e familiares, e nas sessões de Mediação serão aplicados os meios e técnicas necessárias, para que os conflitantes conjuntamente identifiquem o problema e cheguem à solução do conflito, levando-se o pactuado à homologação.
E quando às partes estejam litigando em um processo, havendo interesse dos conflitantes, esses poderão optar pela Mediação, solicitando aos seus Advogados ou Defensores, que peticionem ao Juízo, requerendo que antes de proferida a sentença, sejam as questões relativas ao conflito, levadas a uma sessão de Mediação, para a tentativa de composição, e existindo acordo este será homologado pelo Juiz da causa.
Portanto, na Mediação os mediandos acompanhados de seus Patronos ou Defensores, com o auxílio de um Mediador, dialogarão e conseguirão chegar à solução da questão, preservando e viabilizando as interações multiparentais dos entes familiares, evitando mais desgastes emocionais dos envolvidos no conflito.
Conclusão
Procurou-se com o presente artigo elucidar sobre a multiparentalidade e os efeitos jurídicos simultâneos, no campo do direito da família e sucessões.
Ademais, apresentou-se a Mediação, indicando-a como método adequado de solucionar os conflitos provenientes das relações familiares em que há dupla paternidade ou dupla maternidade em razão da filiação multiparental.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas e/ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.br
ANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado da APAMEC e comentarista do Jornal APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com