A desjudicialização do Direito de Família
Atualmente as pessoas estão buscando outras formas de regulamentação de seus direitos, deveres e obrigações, razão pela qual estão deixando de procurar o poder judiciário para a resolução de seus conflitos pessoais e inter-relacionais.
As partes passaram a se compor ou regulamentar suas questões fora do ambiente do fórum, resolvendo os dilemas administrativamente de forma rápida e equânime, perante os tabeliães, procons, bem como, nas câmaras de mediação, conciliação ou arbitragem.
Desjudicializar é a ordem da vez, incentiva-se com isso a solução das disputas mediante métodos adequados e extrajudiciais, desestimulando o ingresso de ações e via de consequência não abarrotando o judiciário que já se encontra há anos com um grande acervo de processos.
Junto com a rapidez em resolver os dilemas extrajudicialmente, está a significativa redução de custos para as pessoas físicas e as jurídicas, que passaram a optar por solucionar suas pendências fora do ambiente da justiça.
A agilidade se deve pela crescente implementação da virtualização dos canais de atendimento, acelerado em função da pandemia.
As pessoas são auxiliadas, sem que necessitem se deslocar excessivamente de um lugar a outro, já que os atendimentos são de forma on-line, isso ocorre nos Cartórios, nos Órgãos de Proteção do Consumidor, e nas Câmaras de Mediação, Conciliação e Arbitragem.
Os Tabeliães com base no Provimento nº 67 do Conselho Nacional de Justiça, e na eficácia dos métodos extrajudiciais de solução de controvérsias, estão implementando a Mediação em seus locais de prestação de serviços, de forma física e virtual, (https://www.conjur.com.br/dl/provimento-67-cnj-cartorios-mediacao.pdf).
Inclusive, a desjudicialização é promovida nos Cartórios desde 2007, tendo em vista a Lei nº 11.441 do mesmo ano, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa.
Os procedimentos mencionados só poderão ser realizados perante os Tabeliães na hipótese de não envolver menores de idade ou incapazes, porque, nessas hipóteses, obrigatoriamente os casos devem transcorrer no Poder Judiciário.
Contudo, recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo abriu um precedente sobre esse assunto, autorizando que um inventário judicial, fosse convolado em extrajudicial, mesmo havendo filhos menores de idade.
O pedido foi formulado no bojo do processo pela iniciativa do notário Thomas Nosch Gonçalves, que só conseguiu referida autorização judicial, porque, de acordo com suas palavras: “propuseram uma partilha ideal, de acordo com a lei, não prejudicando em nada o menor de idade ou o absolutamente incapaz”, razão pela qual seguiu-se com o procedimento perante o Cartório extrajudicialmente.
Nesse compasso até os Tribunais Nacionais desde 2010, com base na Resolução 125 do CNJ, estão resolvendo várias questões no âmbito do Direito de Família, pré-processualmente, perante os CEJUSCs – Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, que acabam funcionando como um Cartório, com distinção de que são os Mediadores que auxiliam as partes-mediandas a chegarem à resolução de suas disputas.
Oportuno ponderar que, mesmo diante da tentativa de efetividade de regular os direitos dos cidadãos pelos Tribunais, com a implantação dos Centros Judiciários, as pessoas procuram regularizar seus direitos diretamente nos Cartórios diante da rapidez no processamento de seus pedidos, ante a demora dos ritos procedimentais dos Centros.
Com base nos dados divulgados na segunda edição do Cartório em Números, realizou-se de janeiro de 2007 a setembro de 2020, 787.287 divórcios diretos, e no que tange aos inventários extrajudiciais o número foi ainda maior, chegando a 1,5 milhão de atos notariais.
Inúmeras são as vantagens aos cidadãos, em especial no que se trata da agilidade de resolução de suas questões, isto porque, a atuação notarial gerou uma economia na casa dos R$ 5 bilhões, aos cofres públicos, só no ano de 2018, isso tudo com o desafogamento do Poder Judiciário. (https://www.anoreg.org.br/site/wp-content/uploads/2020/11/Cart%C3%B3rios-em-N%C3%BAmeros-2-edi%C3%A7%C3%A3o-2020.pdf).
Baseado nesses dados, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça regulou mediante o Provimento nº 100, de 26 de maio de 2020, que os atos notarias fossem feitos eletronicamente, utilizando-se o sistema e-Notariado, estabelecendo normas gerais sobre a prática de atos notariais eletrônicos em todos os tabelionatos de notas do País. (cfr. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3334).
Demais disso, o Conselho da Justiça Federal na Segunda Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, ocorrido nos dias 26 e 27 de agosto de 2021, os participantes (ministros, desembargadores, juízes, membros do Ministério Público, profissionais da advocacia pública e privada, professores, mediadores, árbitros, registradores, tabeliães e outros profissionais que se dedicam aos temas tratados), propuseram e aprovaram por meio de suas comissões científicas, vários enunciados sobre matérias que envolviam temas relacionados a arbitragem, mediação, desjudicialização, novas formas de solução de conflitos, e novas tecnologias.
Referidos temas têm por função contribuir para que o jurisdicionado tenha a efetividade da solução dos conflitos que surgirem desjudicializando suas questões.
Dentre os enunciados aprovados, pode-se mencionar da comissão de arbitragem, o Enunciado nº 96, sobre o Direito de Família, que: é “válida a inserção da cláusula compromissória em pacto antenupcial e em contrato de união estável”.
A comissão de desjudicialização, que tratou especificamente da atuação dos Cartórios, nas matérias de Direito de Família, aprovou o Enunciado nº 120: “são admissíveis a retomada do nome de solteiro e a inclusão do sobrenome do cônjuge de quem não o fez quando casou, a qualquer tempo, na constância da sociedade conjugal, por requerimento ao Registro Civil das Pessoas Naturais, independentemente de autorização judicial”, seguindo-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Já o Enunciado nº 124, tratou que: “é direito dos genitores o registro do natimorto com inclusão de nome e demais elementos de registro, independentemente de ordem judicial, sempre que optarem por seu sepultamento, nas hipóteses em que tal providência não for obrigatória”.
Quanto ao Enunciado nº 127, regulou que: “é admissível o requerimento, pelo(a) interessado(a), ao Registro Civil de Pessoas Naturais para retorno ao nome de solteiro(a), após decretado o divórcio”.
Nesse entendimento verifica-se a aplicação do Provimento nº 82/2019 do Conselho Nacional de Justiça, conforme se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, de que: “O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si”.
O Enunciado nº 121, regulou que: “a manifestação do Ministério Público, nos autos do Procedimento Extrajudicial de Reconhecimento da Parentalidade Socioafetiva, é obrigatória quando a pessoa reconhecida contar com menos de 18 anos de idade na data do reconhecimento, ficando dispensada quando se tratar de pessoa reconhecida maior e capaz”, referida proposição interpreta corretamente o Provimento nº 83 do Conselho Nacional de Justiça.
O Enunciado nº 128, estabeleceu ser possível a formalização da união estável de instrumento particular, por meio do registro, “no livro E do Registro Civil de Pessoas Naturais, preenchendo assim, os requisitos do artigo 1.723 do Código Civil de 2002”, a proposta visa a dar uma inequívoca publicidade a essa entidade familiar.
Aprovou-se com o Enunciado nº 139, que: “na hipótese prevista no artigo 1.523, inciso II, do Código Civil não será imposto o regime de separação obrigatória de bens ao novo casamento da mulher grávida quando os contraentes firmarem declaração de que são pais do nascituro, independentemente de autorização judicial”.
A comissão de novas formas e novas tecnologias, preocupados com a efetividade das plataformas digitais, amplamente inseridas no contexto social, em razão da pandemia de Covid-19, aprovou com o Enunciado nº 150, estabelecendo e garantindo a efetiva participação de pessoas com deficiência no procedimento de mediação e em outras formas de resolução de conflitos, “com a observância da acessibilidade aos instrumentos, mecanismos ou tecnologias eventualmente necessárias para ela se expressar e ser compreendida”, concretizando o que estabelece o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A comissão de mediação foi a que mais aprovou propostas, e dentre estas a que merece relevância é a contida no Enunciado nº 167: “a mediação é instrumento extrajudicial adequado de planejamento sucessório, com aplicação preventiva aos conflitos entre herdeiros, sobre conteúdos patrimoniais e extrapatrimoniais”, dentre os mecanismos de planejamento sucessório, a utilização da mediação, deve ser fomentada como forma de incentivar o diálogo entre as partes envolvidas e evitar ou solucionar o conflito.
Segundo Flávio Tartuce: “a mediação já é reconhecida como um dos mais eficientes mecanismos de planejamento sucessório, com o fim de colaborar preventivamente para que os herdeiros resolvam os seus conflitos de conteúdos patrimoniais e extrapatrimoniais. Como bem lecionam Fernanda Tartuce e Débora Brandão, ‘o planejamento sucessório dialogado e participativo deve ser incentivado pelos advogados. A comunicação fluida deve prevalecer para que todos os envolvidos possam entender as razões do contratante do planejamento. Assim ele poderá identificar futuros rompimentos, dissabores ou estremecimentos, com algumas de suas escolhas, de modo que poderá valer-se da mediação, preventivamente. A utilização da mediação entre os futuros herdeiros necessários e o contratante do planejamento para esclarecimento de dúvidas, eliminação de ruídos e inferências que poderão culminar com ações no Poder Judiciário é medida que deve ser considerada pelos profissionais do Direito’ (TARTUCE, Fernanda; BRANDÃO, Débora. Mediação em conflitos sucessórios: possibilidades antes, durante e depois da abertura da sucessão. In Arquitetura do planejamento sucessório. Coordenadora Daniele Chaves Teixeira. Belo Horizonte: Fórum, 2021, v. II, p. 221-222). As autoras citam como exemplos de conteúdo extrapatrimonial as questões relativas às diretrizes antecipadas de vontade e disposições de última vontade concernentes à cerimônia fúnebre, ao seu enterro e a bens de pouco valor do falecido”. (https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/353789/familia-sucessoes-e-extrajudicializacao).
Portanto, desburocratizar o Direito de Família e das Sucessões, é uma realidade que se vivencia hoje e que para os próximos anos se verá mais ainda a regularização das questões administrativamente, diante da crescente desjudicialização mediante o uso, em especial, da Mediação, como método eficiente de resolução de disputas.
A Mediação como método de resolução de conflitos
Nas questões do Direito de Família e das Sucessões, o conflito acaba presente na interação das pessoas quando têm de lidar com a fixação de seus direitos, deveres e obrigações.
As partes envolvidas nesses tratos poderão usufruir da Mediação, que é uma forma adequada de resolução de disputas, razão pela qual os conflitantes poderão buscar por um Mediador-independente, uma Câmara de Mediação particular, um Cartório, ou quando há uma ação judicial em andamento, poderão pela manifestação de vontade, participar da Mediação Judicial, nos CEJUSCs, ou participar da Mediação Extrajudicial fora dos fóruns, nos locais mencionados, e nas sessões designadas, com auxílio do Profissional de Mediação, irão dirimir sobre o conflito.
O Mediador facilitará o diálogo entre os mediandos, e com o empoderamento das partes, pertencimento e clareza de seus objetivos, inclusive dos efeitos jurídicos de sua escolha e confirmação do ato, conflitantes conseguirão se organizar e tratar dos seus assuntos, objetivando encontrar a solução ou as soluções possíveis e viáveis para a concretude do ato e formalização dos direitos.
Ademais, a busca pela orientação e acompanhamento de um Advogado-especialista ou Defensor Público, é necessária para preservação dos direitos e deveres de todos, tanto durante a Mediação, quanto durante a formalização do acordo entabulado.
A transação convencionada por envolver menores ou incapazes, passará pela análise do Promotor de Justiça, e com a anuência deste, seguirá o termo de composição para a sentença homologatória do Juízo da causa.
Conclusão
A finalidade do presente artigo foi a de elucidar ao leitor sobre a desjudicialização do Direito de Família, e que as pessoas que necessitem regulamentar seus direitos, deveres e obrigações, poderão administrativamente o fazê-lo.
Perante os tabeliães, procons e plataformas on-line, bem como, nas câmaras de mediação, conciliação ou arbitragem as partes poderão exercer seus direitos e resolver seus dilemas.
E existindo conflito tanto na área de família como na das sucessões, poderão as partes usufruir da Mediação, que é uma das formas mais adequadas de resolução de disputas, razão pela qual os conflitantes poderão buscar por um Mediador-particular-extrajudicial, ou quando já distribuída uma ação judicial, poderão pela manifestação de vontade, participar da Mediação Judicial ou Extrajudicial, e nas sessões, com auxílio do Profissional de Mediação, irão dirimir sobre os conflitos, com a orientação e acompanhamento de seus Advogados ou Defensores Públicos.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas e/ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.br
WERA LUCIA MUNIZ, Advogada, Conciliadora e Mediadora Judicial com capacitação nos termos da Resolução nº 125/2010 CNJ, atuante no CEJUSC de OUROESTE SP, associada e colaborada da APAMEC, e comentarista do Jornal da TV APAMEC. Contato: wera.lucia.muniz@terra.com.br
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ANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado e colaborador da APAMEC, comentarista do Jornal da TV APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com