O uso de imagem da criança na web
A ONU – Organização das Nações Unidas, declarou que o acesso à internet é um direito a ser exercido por toda a humanidade e que o mundo precisará fazer um investimento de pelo menos US$ 428 bilhões até 2030 se quiser levar a internet a 3 bilhões de pessoas, ainda sem acesso à rede mundial. (https://news.un.org/pt/story/2020/09/1726652 ).
As pessoas de diversas idades buscam por meio do uso da web o máximo e possível conhecimento, além de interação, não se restringido somente a utilização da navegação digital como cultura, mas também o acesso está condicionado ao uso pessoal, profissional, lazer e entretenimento.
Existem várias formas de tornar o ambiente virtual seguro, no entanto, há riscos quanto à exposição das pessoas e sua imagem nesse meio de comunicação, por essa razão precisam todos pensar em uma utilização segura, sadia e responsável, principalmente quando o assunto se refere a proteção da imagem das crianças e dos adolescentes.
O uso de vacinas digitais e apps antivírus podem até dar a sensação de segurança, mas nada impede que rackers e crackers obtenham informações e senhas de segurança, deixando as pessoas, sociedades, empresas, cidades, e até países, vulneráveis nesse contexto de internet.
Diante disso, várias Nações vêm estabelecendo medidas legais de proteção e punição a esse tipo de investida, igualmente como se dá aqui no Brasil.
Menciona-se assim, alguns marcos legais a título de exemplo, sendo eles: a Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998), o Marco Civil da internet (Lei nº 12.965/2014), e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709/2018).
Importante salientar quanto à Lei Geral de Proteção de Dados, também conhecida como LGPD, que referida Legislação, dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, tratamento esse a ser operacionalizado por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como, o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. (cfr. artigo 1º, da Lei 13.709/2018).
Demais disso, as normas gerais contidas na mencionada Lei, são de interesse nacional e devem ser observadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (cfr. parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 13.709/2018).
Anseia-se com isso a honestidade e a segurança digital, uma forma de compliance digital, que é um conjunto de ações e regras que cada cidadão e empresa devem instrumentalizar, as quais tem por bem regular as atividades desenvolvidas via web, para que estejam em consonância com os ditames da norma vigente, alinhavando de modo atento e ostensivo a governança dos dados.
Quanto à proteção da criança e do adolescente, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe legalmente sobre a proteção dos menores, garantindo alguns fatores, tais como, a inviolabilidade física e psíquica, a preservação da sua imagem, a identidade, a autonomia, os valores, as ideias e as crenças, além dos espaços e dos objetos pessoais.
No artigo 18 do Estatuto, consegue-se identificar que qualquer pessoa, responsável ou não, tem o dever de zelar pela dignidade de toda criança ou adolescente.
Do texto da lei se extrai que: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (cfr. artigo 18 do ECA).
E ainda, o próprio Código Civil, em seu artigo 20, combinado com o referido Estatuto, garante de forma mais ampla à proteção da imagem de crianças e adolescentes, no que se relaciona ao uso de fotos na internet.
Do Codex Civil subtrai-se que: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.” (cfr. artigo 20, do CC).
No entanto, é bastante comum ao abrir vários aplicativos nas redes sociais, visualizar fotos ou vídeos de crianças e adolescentes.
A exposição dos menores ultrapassa o limite da vontade dos genitores em mostrar a criança à parentes, aos amigos, ou para outras pessoas, as quais integram suas redes sociais e passam para alguns, a ser o meio pelo qual os pais geram rendimentos.
Face a essas ocorrências, o Instagram por exemplo, só permite contas para usuários que tenham mais de 13 anos, e assim ocorre também, com diversas outras plataformas de comunicação, tais como, o Facebook e o Youtube, porém, apesar desses impedimentos ainda se vê muitas contas de bebês e crianças nas diversas redes sociais, inclusive nas mencionadas.
Tornam-se excessivas as chances das crianças e dos adolescentes acabarem sendo expostos não só à publicidade inadequada, mas a diversas outras informações e vazamentos na rede de dados nacional e internacional, em razão disso se faz necessária uma hercúlea batalha em proporcionar uma ambientação digital mais segura para todos e em especial para as crianças e os adolescentes.
Um caso que ganhou as mídias foi o da senhora Fernanda Rocha Kanner, que é uma mãe brasileira, a qual tomou a atitude de apagar todas as contas nas redes sociais de sua filha, a adolescente Nina Rios, de 14 anos.
Nina era considerada uma grande ‘digital influencer’, a qual já contava com mais de dois milhões de seguidores nas suas redes sociais.
Fernanda, sua genitora, relatou que foi uma decisão drástica e que a filha ficou brava nos três primeiros dias, além de ter sido muito criticada, principalmente pelos seguidores de Nina, mas também recebeu elogios, e depois de alguns dias a própria filha mencionou para a mãe que se reconectou com as pessoas e em especial com sua essência.
Exemplo outro a ser dado, é o da bebê Alice, de dois anos, que em campanha publicitária está contracenando com a atriz Fernanda Montenegro.
No comercial de projeção Nacional, do banco Itaú, o qual já ultrapassou a marca de 53 milhões de visualizações no Youtube, Alice conversa com Montenegro demonstrando bastante desenvoltura para uma criança de tenra idade, (https://www.youtube.com/watch?v=jj4YFR215ko ).
A mãe da Alice, a senhora Morgana Secco, em primeiro momento ficou feliz com a desenvoltura da filha e com a publicidade envolvida, porém, no decorrer dos dias, acabou por ficar totalmente descontente, isto porque, depois do sucesso do comercial do banco, a criança passou a aparecer em memes de diversos aplicativos.
Quanto ao uso inadequado da imagem da filha, Morgana (https://www.instagram.com/morganasecco/ ), declarou que: “queria deixar claro que a gente não deu autorização pra nenhum deles, e a gente não concorda em associar a imagem da Alice com fins políticos ou religiosos”, (cfr. https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/bebe-alice-meme-bolsonalo-nao-autorizo-mae/ )
O uso da imagem de crianças na televisão, mídias sociais, internet, e redes sociais, tem levantado vários questionamentos sobre autorização dos pais e proteção do Estado.
Observa-se que, o artigo 227 da Constituição Federal é claro ao determinar a responsabilidade compartilhada pela garantia e promoção dos direitos de crianças por Famílias, Estado e Sociedade.
Do mencionado artigo lê-se que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, (cfr. artigo 227 da CF).
Oportuno lembrar que, fazer uso de imagem de pessoas, sendo elas crianças ou não, sem a devida autorização, pode gerar responsabilidades legais, ainda que se trate de pessoa pública, por ser a imagem um direito fundamental e inviolável, de acordo com o artigo 5º, X da Constituição, combinado com o artigo 21 do Código Civil, senão vejamos:
“Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…), X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (…).”.
“Artigo 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”.
Alguns profissionais da área de psicologia e psicanálise afirmam que nas redes sociais as pessoas viram reféns uns dos outros, sem se conhecerem pessoalmente, ocorrendo o que é denominado de ‘efeito ao averso do personal influencer’. (cfr. https://www.mpba.mp.br/area/caoca/noticias/59237 ).
Isso significa que, no início os influencers começam influenciando quem os segue, porém, algum tempo depois ficam tão preocupados em manter os likes que acabam influenciados pelos seus próprios seguidores.
Desta forma, o influenciador digital passa a se concentrar mais no seu “eu imagem digital” do que no seu “eu real”, construindo assim outra identidade com a intenção de agradar seus seguidores, tornando-se refém das outras pessoas, porque quer ser admirado por elas, (cfr. https://seer.faccat.br/index.php/ricom/article/view/1040/627 ).
Contudo, ainda que a lei assegure a proteção de menores, o cuidado dos pais com a divulgação excessiva é de extrema importância, ainda mais porque as imagens podem ser manipuladas mediante uso de programas e aplicativos de computador e smartphone.
Existem pessoas muito maldosas no ambiente virtual, além de stalkers, isto é, perseguidores, na web é muito comum fofocas, ofensas e bullying, e em muitas das vezes os perfis desses indivíduos são fakes ou criados com o propósito específico de produzir maldade.
Objetivando, prevenir o uso incorreto da imagem de menores, bem como, coibir que criminosos usem em seu benefício referido conteúdo, o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta a matéria no artigo 241 e seguintes.
Válido ressaltar ainda que, a família é responsável por garantir a segurança e o melhor ambiente ao desenvolvimento da criança, sua estabilidade e seu sustento, e não o contrário.
A criança que assume, por opção dos pais, o sustento familiar, ao ter sua imagem exposta, está assumindo papel que não lhe cabe como obrigação, mas que deveria ser provido em totalidade pelos genitores.
Se o desejo parte da criança, ainda sim, é algo duvidoso de aceitação, pois crianças não são capazes de analisar as vantagens e desvantagens de algo tão grandioso, para decidir por elas mesmas, se é algo benéfico ou prejudicial ao seu futuro.
Lembre-se que, crianças de até 12 anos não podem trabalhar, mas existem normas que admitem o trabalho quando se trata de manifestação artística, como em comerciais, novelas, filmes e outros.
Nesse contexto, é preciso que seus pais ou responsáveis concordem e pleiteiem uma autorização do Juízo da Infância e Juventude, que será responsável pela verificação de compatibilidade concreta entre as condições de trabalho daquela criança e a preservação de seus direitos fundamentais. (cfr. artigo 149, inciso II do ECA).
Os pais e responsáveis legais, além das instituições de ensino, têm de lembrar que, a exposição na internet gera riscos para toda e qualquer pessoa, mas principalmente para as crianças os riscos são ainda maiores, pois elas são mais vulneráveis e propensas a ameaças, sequestros, extorsões e golpes.
Válido ainda relatar que, nas infinitas redes sociais, não existem ferramentas e instrumentos para conter a violação da imagem de crianças e adolescentes, o que a inteligência artificial denota em algumas situações é a utilização de cenas de nudez e pornografia, situação que mostra a vulnerabilidade a que os menores e jovens estão expostos na internet.
Os pais devem promover um monitoramento constante e regular de todas as redes sociais dos filhos menores, devendo orientar as crianças, além de deixar o perfil pessoal delas privado, não fornecendo informações e dados pessoais, tal como onde mora, nome dos pais, documentos, lugares que frequenta.
Orientando também, a não falar com pessoas que não conhecem pessoalmente, não divulgar fotos e a intimidade, não seguir páginas inadequadas e inapropriadas, as quais contenham conteúdo pornográfico, agressivo, e impróprio, dentre outras medidas. (cfr. https://www.migalhas.com.br/quentes/357521/comercial-com-bebe-alice-gera-debate-sobre-imagem-de-criancas-na-web ).
Portanto, é necessário ter em mente que as crianças e os adolescentes se encontram em condição de desenvolvimento, razão pela qual são consideradas vulneráveis e devem receber proteção mais ativa e rigorosa do Estado, Sociedade e Família, especialmente no que diz respeito ao uso de sua imagem.
Ademais, sua atuação artística não será admitida se o conteúdo veiculado se mostrar incompatível com sua condição, violar algum de seus direitos, e representar publicidade infantil abusiva ou se os recursos dessa contraprestação não forem destinados aos interesses da criança, não podendo inclusive este fruto do trabalho do menor ou do jovem, representar uma fonte de renda aos pais, ficando os genitores responsáveis pela administração dessas quantias e submetidos à eventual prestação de contas em caso de desvio de finalidade.
Ocorrendo o uso indevido da imagem da criança ou adolescente, os responsáveis legais poderão se valer dos meios jurídicos cíveis e criminais cabíveis para preservar essas crianças, sanando suas dúvidas com o auxílio de um (a) Advogado (a) ou um (a) Defensor (a) Público (a).
E necessitando de ajuda para entender da controvérsia e alcançar a solução pacífica para tanto, poderão os conflitantes procurar pela Mediação, que é um método adequado de solução de conflitos.
Na Mediação os profissionais informarão às partes sobre os caminhos a serem seguidos, os princípios e as técnicas que regerão os trabalhos, convidando-os a fazer parte do processamento da tentativa de composição.
Observa-se por fim que, necessitando de assistência psicológica os envolvidos na questão do uso indevido da imagem poderão participar de um tratamento multidisciplinar, utilizando-se de terapias e oficinas, nas quais os envolvidos na questão conflituosa saberão como agir diante da circunstância de proteção da criança ou adolescente, refletindo esse tratamento de forma positiva e significativa para esse menor.
Conclusão
Percebeu o leitor que, a Família, a Sociedade e o Estado devem promover uma proteção ativa e ostensiva das crianças e dos adolescentes, principalmente no que diz respeito ao uso e manipulação de sua imagem, em especial no ambiente da mídia televisiva, internet, e demais meios de comunicação.
E que, há diversas leis, normas e resoluções, as quais regulamentam de que forma será promovido o trabalho infantil e como será veiculada a exposição de fotos, vídeos e imagens dos menores e jovens, sendo crime o uso abusivo desse material pessoal ou artístico, além do que os valores percebidos pela criança e geridos pelos pais devem ser utilizados em favor dos menores, razão pela qual os genitores poderão ser impelidos à prestação de contas em caso de desvio de finalidade dessas verbas.
Ademais eventuais questões do uso indevido da imagem desses menores, poderão ser resolvidas mediantes os meios jurídicos cíveis e criminais cabíveis, bem como, mediante uso da Mediação, e tratamentos multidisciplinares.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.br
ANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado da APAMEC e comentarista do Jornal APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com