Convivência Familiar e Comunitária das Crianças e Adolescentes
A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi o marco mundial adotado pela Assembleia Geral da ONU e ratificado por 196 países, incluindo o Brasil e excluindo os EUA, os quais proclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. (cfr. https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca )
Convencionou-se com isso, que a família é o grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros, particularmente das crianças e adolescentes, que devem receber a proteção e a assistência necessárias.
Reconhecendo ainda que, elas devem crescer no convívio de suas famílias, num ambiente de felicidade, amor e compreensão, atingindo o pleno e harmonioso desenvolvimento da personalidade.
Assim, essas crianças e adolescentes estarão plenamente preparados para uma vida independente na sociedade, sendo inclusive educadas de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, ou seja, com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade.
Observa-se que, até meados do final do século XX, a prática estabelecida, de atenção à infância e à juventude, pela política pública brasileira era a de separação e confinamento das crianças, isso porque, a criança ou o jovem que estivesse em situação irregular, ou seja, em abandono ou delinquência, por decisão judicial seria retirado do meio com o qual possuía vínculo social e cultural, isto é, família, comunidade ou grupo de rua, e seria confinado em internatos para ser ressocializado. (cfr. Código de Menores in: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/l6697.htm ).
Contudo, com a ratificação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e posteriormente com a Declaração dos Direitos das Crianças, o Brasil passou a ser pioneiro quanto a legislação de proteção às famílias, às crianças e aos adolescentes, conforme se vê pelo texto da Constituição Federal de 1988, (cfr. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm ), do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, (cfr. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm ), e da Convenção sobre Direitos da Criança, representada pelo Decreto n. 99.710/1990 (cfr. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm ).
Referidos marcos legais, corroborados pela Lei Orgânica da Assistência Social – Loas de 1993, motivaram a criação do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, mas apesar de toda essa legislação e proteção, em que as crianças e os adolescentes passam a ser considerados como sujeitos de direitos, optou-se ainda por institucionalizar as crianças e adolescentes que careciam de cuidados e abrigo, conferir: (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm), (https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/assistencia-social/participacao-social/conselho-nacional-de-assistencia-social) e (https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente-conanda/conanda#:~:text=Criado%20em%201991%20pela%20Lei,e%20do%20Adolescente%20(ECA)).
O acolhimento institucional não deixa de ser um dos serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência Social às crianças e aos adolescentes que demandam proteção, e essa modalidade de serviço, surgiu não apenas para amparar aqueles que não possuem vínculos familiares ou que estejam com os vínculos parentais prejudicados, mas também como estágio na construção da autonomia pessoal e independência psicossocial, financeira e profissional desses jovens.
Verifica-se que, o principal objetivo do acolhimento institucional é promover o acolhimento de famílias ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, de forma a garantir sua proteção integral.
Inclusive, pesquisa da Fundação IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), no ano de 2003, levantou dados junto dos 589 abrigos financiados pelo SAC – Sistema de Acolhimento para Crianças, Adolescentes e Jovens, constatando que nacionalmente 19.373 crianças e adolescentes estavam institucionalizados naquela época. (https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5481&catid=300 ).
Com base nisso, o CONANDA e o CNAS desde 2004 fomentaram um debate acerca das políticas públicas do direito da criança e do adolescente à convivência familiar e comunitária, servindo de base para os estudos, às previsões constitucional e legal, do artigo 227 da Constituição Federal, do artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e do artigo 20 da Convenção sobre Direitos da Criança (Decreto nº. 99.710/1990), (cfr. https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-infancia-e-juventude/360949/mudancas-a-vista-na-politica-de-convivencia-familiar ).
Isso porque, os direitos e as políticas públicas relativas às crianças e aos adolescentes devem ser enfrentados e resolvidos de forma adequada, para deixar de institucionalizar os jovens promovendo o acolhimento deles e motivando a convivência familiar e comunitária.
Surge deste modo, a necessidade de se estabelecer um Plano Nacional com diretrizes capazes de implementar políticas públicas mais eficazes quanto à proteção da criança e do adolescente visando aprimorar ainda mais a legislação existente.
Assim, em 2006 foi aprovado por resolução conjunta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA e do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária – PNCFC.
O PNCFC trata de temas como a valorização da família através de políticas de apoio sociofamiliar, reordenamento dos abrigos, implementação de famílias acolhedoras e adoção centrada nos interesses das crianças e dos adolescentes, conforme preleciona o artigo 87 do ECA.
Viu-se como maior inovação trazida pelo Plano, a implementação do Programa de Famílias Acolhedoras, além do aprimoramento da legislação, a ampliação da cobertura (47,8%), reduzindo as desigualdades regionais, a criação de novos serviços e uma maior profissionalização das equipes de referência.
Demais disso, os estudos apontaram o desafio de fortalecer as políticas públicas para prevenir o afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar, especialmente nas áreas de assistência social, enfrentamento à pobreza, saúde, moradia e educação, (cfr. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/dezembro/governo-federal-apresenta-avaliacao-do-plano-nacional-de-convivencia-familiar-e-comunitaria ).
O País também avançou significativamente quanto a legislação, ao instituir em 2016, o Marco Regulatório da Primeira Infância, representado pela Lei nº 13.257 de 08 de março de 2016, a qual traz à luz a necessidade de proteção especial nos primeiros anos de vida das crianças, (cfr. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm ).
A esse cenário se agrega como facilitadora a Lei de Adoção, a qual promove modificação no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo certo que toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, (cfr. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13509.htm ).
A reavaliação deverá ocorrer no máximo, a cada 3 (três) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou pela colocação em família substituta, e na impossibilidade verificar a viabilidade de inserção no cadastro de adoção.
E ainda que, a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 18 (dezoito meses), salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária, conforme artigo 19 do ECA.
No entanto, as políticas públicas acabaram se voltando mais a institucionalização, sendo certo que, todos os esforços promovidos pelos Conselhos e Grupos envolvidos com o PNCFC, foram ainda mais mitigados com a pandemia, face a inúmeros fatores que inviabilizaram a reintegração das crianças e adolescentes em suas famílias e comunidades, bem como, quanto aos problemas gerados em relação a manter as crianças junto das famílias acolhedoras, ou quanto à continuidade dos processos de adoção.
Apesar da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente determinarem o reordenamento dos serviços voltados para os adolescentes em situação de vulnerabilidade, bem como, dos avanços legais alcançados em termos de concepção, com relação ao atendimento ao adolescente, tanto nos serviços socioassistenciais como nos socioeducativos, quanto no âmbito da família e da comunidade, pouco se avançou em termos de restabelecer vínculos de convivência familiar e comunitária.
Demais disso, corrobora com todos esses fatores a questão da adoção tardia, porque, ela não faz parte da realidade brasileira, restando aos acolhidos, no momento de serem desligados do Serviço de Acolhimento, em razão da maioridade civil, buscar outros recursos para sobreviver, e apesar de existirem entidades particulares que ofereçam abrigo a esse público, nessa faixa etária e condição, não há vagas suficientes para todos.
A realidade em questão, motiva à boa vontade dos profissionais dos abrigos em muitos casos de suprir esses jovens do mínimo necessário para sua sobrevivência, por exíguo espaço de tempo após a saída do acolhimento.
Um fator relevante e que causa certa estranheza, é que, sem muitos rumores, em meio a pandemia, houve a publicação do Decreto 10.570, de 09 de dezembro de 2020, o qual “Institui a Estratégia Nacional de Fortalecimento dos Vínculos Familiares e o seu Comitê Interministerial”, (cfr. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10570.htm ).
Os princípios, as diretrizes e os objetivos previstos no Decreto, são os de promover o respeito à dignidade da pessoa humana, o reconhecimento da família como base da sociedade e merecedora de especial proteção do Estado, e ainda, a garantia do direito à convivência familiar e comunitária à toda criança e adolescente.
O Governo atribui a alguns dos Ministérios, dentre eles: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Casa Civil, Ministério da Educação, Ministério da Cidadania, Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério da Economia, a formação de um comitê e a formulação de uma nova agenda pública sobre convivência familiar.
Referido Comitê se reuniu para discutir as políticas de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, estabelecendo na Resolução nº 1, publicada em 30/12/2021, a aprovação de 40 metas que compõem o Plano de Ações da Estratégia Nacional de Fortalecimento de Vínculos Familiares, (cfr. https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-1-de-30-de-dezembro-de-2021-371529589 )
No entanto, do Plano de Ações se vê a retirada do Estado como idealizador de políticas públicas em favor da criança e do adolescente, direcionando essa atribuição à Família, colidindo totalmente referida normativa com o PNCFC – Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
Avalia-se a princípio, que a mudança possa parecer uma forma clara de valorização do papel da família no que tange ao convívio com as crianças e adolescentes, em detrimento da cultura da institucionalização, fomentada pela vigência do Código de Menores no período de 1927 até 1989.
Porém, o legado deixado pelo Código de Menores, de que o Estado deve de forma incontinente substituir a família quando esta é considerada pela sociedade como não tendo meios socioeconômicos para proteger seus filhos, fez com que o número de acolhimentos institucionais continuasse elevado.
Oportuno salientar que, há de se ter cuidado, especialmente com o impacto socioeconômico, vez que o Decreto 10.570/2020, a médio e longo prazo, poderá representar numa diminuição da esfera de proteção das famílias e de seus membros, no âmbito da assistência social e da saúde públicas.
Ademais, poderão esses fatores contribuir para o aumento da violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, motivando ainda mais situações de violência física, psicológica, emocional e sexual.
Tudo isso, porque, a priori a intenção do Decreto como mencionado é a redução das políticas públicas e dos equipamentos de acompanhamento de famílias em situação de risco.
Todavia, a problemática apontada, necessita ser acompanhada e revisada, pois, manter essa norma com aplicação restrita a situações de vulnerabilidade por exemplo, não irá ajudar a solucionar os desafios que se enfrenta atualmente, nem os que virão no futuro, na área da infância e juventude.
Novo levantamento promovido pela Fundação IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), realizado em 2021, apontou que 33.000 crianças foram acolhidas e institucionalizadas, percebendo-se com isso que o País investiu mais na institucionalização do que na promoção de políticas públicas objetivando a reinserção das crianças e dos adolescentes à convivência familiar e comunitária, (cfr. https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=37950&catid=6&Itemid=4 ).
Portanto, conforme constante na Declaração dos Direitos da Criança, no artigo 227 da Constituição Federal, no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e no artigo 20 da Convenção sobre Direitos da Criança (Decreto n. 99.710/1990), “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, incluindo a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, complementa a Constituição Federal, definindo o proclamado princípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, ao afirmar ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, como prioridade, a absoluta efetivação dos direitos da criança e do adolescente, ressaltando, além do direito à vida, o acesso à educação, saúde, lazer e cultura, e o direito a conviver em família e em comunidade.
Verifica-se deste modo, que a família de origem é a protagonista e a referência principal da educação e se, por algum motivo, mostrar-se incapaz de exercer o cuidado necessário para com a criança ou o adolescente, e na ausência de uma família extensa ou de uma família substituta, o Estado deve se fazer presente, para sustentá-los e apoiá-los, de forma que possa ser capaz de desenvolver a tarefa educativa.
Exsurge dessa premissa que, deve-se aprimorar a legislação sobre o convívio familiar e comunitário, como vem ocorrendo ao longo do tempo, mas não deixando de se basilar inclusive pelo Plano Nacional de Promoção e Proteção à Defesa das Crianças, em prol do novo Decreto, e sim obtemperando que a criança e o adolescente têm sim o direito ao convívio familiar e comunitário, e sobretudo, de que a Família, a Sociedade e o Ente Público devem zelar por esse mister, primando o Estado, por políticas públicas, e ainda pelas diretrizes de proteção e cuidados com as crianças e os adolescentes.
No mesmo sentido à assistência estabelecida na legislação correlata, surge em âmbito Nacional mecanismos de autocomposição de conflitos, como é o caso da Mediação (Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015 – Lei da Mediação), regulamentado pelo Código de Processo Civil.
O método em apreço, não é a única forma de intervenção nos casos que envolvam crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, mas é uma forma eficaz de minimizar e resolver referidas questões, e que deve ser utilizada como alternativa instituída pelo Poder Público sempre que a análise da situação recomendar, como é o caso do trabalho dos Conselhos Tutelares e Assistentes Sociais.
As mediações não precisam ser buscadas ou implementadas, somente se envolver diretamente a criança ou o adolescente, mas também quando os atingir indiretamente, ocasionando sofrimento ou trauma de qualquer ordem, preservando assim sua integridade física e psíquica, restabelecendo vínculos, e estimulando a convivência familiar e comunitária.
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ANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado desde 1999, Pós-graduado pela ESA OABSP em Direito Processual Civil, Mediador e Conciliador Judicial regularmente inscrito no CNJ – TJSP / CEJUSC, desde 2016, Associado da APAMEC e Comentarista do Jornal APAMEC nos Web Canais do Facebook e YouTube, na especialidade de Mediação Familiar.
Contato: anselmocallejon@hotmail.com