Parentalidade e o Abandono do filho portador de síndrome, transtorno ou deficiência.
Os casais sonham e aguardam ansiosos pela chegada do tão esperado filho, porém, ainda no pré-natal ou mesmo no hospital quando do parto, descobrem que o bebê é portador de alguma síndrome, transtorno ou deficiência, e a notícia provoca nos pais uma enxurrada de emoções contraditórias e conflitantes, pois idealizaram um futuro diferente com a criança, o que acaba afetando a inter-relação dos genitores, no casamento, na vida social e no trabalho, e por fim cria um obstáculo do pai e da mãe no exercício da parentalidade.
Diversos são os fatores que podem desencadear o surgimento de uma síndrome, um transtorno ou uma deficiência, podendo ser mencionados desde fatores genéticos e hereditários, até situações traumáticas, tais como estresse, infecções, exposição a substâncias tóxicas, complicações durante a gestação e desequilíbrios metabólicos.
As Síndromes são os conjuntos de sintomas recorrentes observados na prática clínica que trata a psiquê humana e podem se manifestar de forma persistente, crônica ou até mesmo episódica.
Atualmente foram catalogadas inúmeras síndromes, e dentre elas a Síndrome de Down é a que se vê com maior incidência entre os bebês, sendo que ela acomete indivíduos ainda no útero materno, e seus portadores possuem três cromossomos 21 em todas ou na maioria das células, por isso a doença também é conhecida como trissomia do cromossomo 21.
Quanto aos Transtornos, eles são distúrbios e perturbações que prejudicam a mente, os sentimentos, a vida social, a percepção de realidade e as relações sociais, o TEA – Transtorno do Espectro do Autismo, é mais comum dentre os que reúnem desordens do desenvolvimento neurológico, presentes desde o nascimento ou começo da infância, e pode se apresentar em graduações distintas.
Observa-se que, o termo “PcD – Pessoas com Deficiência”, foi definido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, e a legislação brasileira regulamenta direitos em relação a elas, relacionando as diferentes classes no Decreto nº 5.296/2004, das quais temos: deficiência física, auditiva, visual, intelectual, da função cognitiva e a múltipla, que é a associação de mais de um tipo de deficiência.
Os pais diante de uma criança com deficiência se frustram, pois o filho idealizado não está presente, tendo os genitores de se adequar à vivência da realidade, que acaba sendo exaustiva, entre enfrentar a nova situação, lidar com os diversos tratamentos, especialistas e terapias, além do preconceito próprio, dos parentes e amigos, vez que, tendem a encontrar um culpado pelo ocorrido, acarretando maior tensão dos casais, e em muitos casos a omissão aos cuidados da criação e acompanhamento, ou até mesmo o divórcio do casal.
A fuga de um dos genitores da parentalidade, da relação conjugal, ou da situação em si, torna a convivência com o filho quase nula, e a criança com deficiência poderá apresentar maior debilidade emocional e prejuízo no tratamento da síndrome, transtorno ou deficiência, face ao abandono afetivo existente.
Conceituando Abandono Afetivo temos que é a omissão aos cuidados da criação, companhia e assistência moral, psicológica, social, religiosa, educacional e afetiva, que os genitores ou responsáveis legais devem às crianças ou adolescentes.
Exemplo típico se dá quando o pai ou a mãe, não aceita o filho com deficiência e demonstra seu desprezo por ele, deixando de estabelecer cuidados, não indo às consultas médicas com ele, nunca o procurando ou visitando, ainda que as visitas tenham sido regulamentadas em sede de um acordo de divórcio, e o responsável pela visitação deixa de cumprir os horários estabelecidos, fazendo promessas de encontros ou reuniões com o menor sem honrá-las.
Ocorre também o abandono afetivo, quando os genitores vivem maritalmente ou são casados, e não dão o mínimo de atenção e cuidados ao filho, desprezando-os completamente, nunca acompanham os filhos em consultas, tratamentos, terapias, afazeres escolares, nas brincadeiras, ou em eventos sociais, delegando essas atribuições a outros parentes ou pessoas.
A prática do abandono afetivo poderá gerar ao agente uma penalização que se traduz pelo pagamento de uma indenização à título de danos materiais e morais, além de responder pelos crimes de abandono intelectual e / ou material, com penas de detenção.
Inclusive alguns tribunais não estão decidindo em uníssono quando o assunto é abandono afetivo, há decisões no sentido de que não se pode impor juridicamente que alguém ame outra pessoa, nem que lhe dê atenção ou carinho, mas em uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, um genitor foi condenado a indenizar sua filha pela prática do abandono afetivo, e o desembargador destacou que: “Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”.
Contudo, observa-se que eventual responsabilidade criminal ou condenação ao pagamento de reparação civil não diminuiria ou induziria a cessação da dor do abandonado, estar-se-ia diante de uma sensação de justiça tão somente, o que não elimina nem soluciona o conflito.
Questão outra a ser pontuada, é a de quando os genitores se divorciam e uma pensão alimentícia é fixada ao filho, sendo que deverão ser levados em conta os aspectos relativos à necessidade de quem receberá o benefício e a possibilidade econômica de quem pagará, analisando-se a questão de forma razoável e proporcional entre os genitores.
Costuma-se fixar a pensão alimentícia em percentual com base no líquido constante do holerite do pagador, ou em percentual do salário-mínimo, para que, ao longo do tempo o benefício seja corrigido com base nos aumentos da categoria ou no reajuste do salário-mínimo, sendo o comum que cada genitor arque com 50% (cinquenta por cento) das despesas existentes.
Contudo, pode-se ter a título de exemplo uma disparidade entre o poder aquisitivo do pai e da mãe, sendo certo que, se a genitora ganha menos e o genitor ganha mais, esse último sendo o pagador, irá contribuir proporcionalmente com mais.
Observar-se-á qual a possibilidade dos genitores em arcar com essas necessidades, pois são os pais os responsáveis por manter a criança dentro do padrão deles, fixando-se a pensão conforme os rendimentos do pagador, que na maioria das vezes é o pai, mas nada impede que a mãe pague a pensão, ou eventualmente algum responsável legal.
Na hipótese referida sempre serão observados os reais gastos do beneficiário, porque, fica diferente a necessidade da criança, inclusive quando ela for portadora de deficiência relacionada a uma síndrome, transtorno, ou deficiência, vez que, faz tratamento médico-hospitalar, psicológico ou psiquiátrico específico, ou precisa de um medicamento controlado.
Os filhos portadores de deficiência independente de terem completado a maioridade, desde que não tenham o necessário discernimento para a prática dos seus atos, ou os que mesmo que por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade em qualquer idade, continuarão recebendo a pensão alimentícia do pai ou da mãe, conforme convencionado em acordo celebrado para essa finalidade, e na ausência ou impossibilidade dos genitores arcarem com o pagamento, o responsável legal poderá pleitear o benefício dos avós paternos ou maternos.
Inclusive está em trâmite na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.166/2019, que estabelece às pessoas com doença mental incapacitante o direito a pensão alimentícia provida pela família, que será mantida mesmo após a maioridade (18 anos), a proposta tem por finalidade alterar o Código Civil nesse sentido.
E os tribunais de justiça estão se posicionando favoravelmente ao recebimento da pensão mesmo que o beneficiário tenha completado a maioridade e receba o BPC – Benefício de Prestação Continuada de origem previdenciária, mais conhecido como LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8.742/1993), sob pena da incidência do abando financeiro.
Neste sentido o julgado abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. ALIMENTANDA MAIOR DE IDADE. RESPONSABILIDADE FAMILIAR. PROBLEMAS DE SAÚDE. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO REGULAR, TERAPIAS E MEDICAMENTOS. MANUTENÇÃO DO ENCARGO ALIMENTAR. A obrigação de prestar alimentos ao filho, em razão do poder familiar, cessa aos dezoito anos, com a maioridade civil. Contudo, se, embora maior de idade, o alimentando mostra-se incapaz, por si só, de proporcionar a própria mantença em sua integralidade, em razão de ser portador de enfermidades que demandam tratamento contínuo, não se revela adequada a imediata exoneração da pensão alimentícia paga pelo genitor, ademais se comprovada sua capacidade financeira para enfrentar o encargo. (TJ-DF 07460668420178070016 – Segredo de Justiça 074606684.2017.8.07.0016, Relator: ESDRAS NEVES, Data de Julgamento: 26/06/2019, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 04/07/2019.
Evidencia-se com os exemplos, que diversas são as ocorrências e graus do abandono afetivo e financeiro, e em todas percebe-se que os genitores ou os responsáveis legais deixam de agir conforme se espera deles, e isso acaba por acarretar danos irreparáveis aos abandonados prejudicando-os ainda mais no seu desenvolvimento.
Como solucionar os conflitos provenientes do abandono afetivo e financeiro?
Nem sempre os genitores e os responsáveis pelos filhos portadores de deficiência, quando se encontrarem em conflito por ocasião do abandono afetivo ou do abandono financeiro, conseguem resolver suas questões de forma tranquila, necessitando de ajuda para entender da controvérsia e alcançar a solução pacífica para tanto.
Encontrando-se nessa situação poderão os conflitantes procurar pela Mediação Extrajudicial, que é um caminho adequado de solução de conflitos, designa-se uma sessão e nela os profissionais informarão às partes sobre os caminhos a serem seguidos, os princípios e as técnicas que regerão os trabalhos, convidando-os a fazer parte do processamento da tentativa de composição.
Os mediandos conseguem entender do conflito e sua natureza, encontrando possíveis resultados, chegando à solução conjunta e pacífica da questão, levando o pactuado à homologação.
Caso as partes-conflitantes tenham procurado inicialmente a Justiça, sendo da vontade dos litigantes, poderão optar pela Mediação, na modalidade judicial ou extrajudicial, solicitando ao magistrado que antes de prolatada uma sentença, a discussão dos autos seja levada a uma sessão de Mediação, para a tentativa de composição, e existindo acordo este será levado à anuência da promotoria e após à homologado pelo juiz da causa.
Ressalta-se que, a omissão aos cuidados da criação, companhia e assistência moral, psicológica, social e afetiva, podem gerar aos envolvidos no abandono afetivo, principalmente nos abandonados, além da necessidade de participação em uma Mediação, a da realização de um tratamento multidisciplinar, utilizando-se de terapias específicas e oficinas de parentalidade, nas quais os envolvidos na questão conflituosa saberão como agir diante da circunstância de proteção da criança portadora de deficiência, refletindo esse tratamento de forma positiva e significativa no convívio familiar, reforçando ainda mais os vínculos de parentalidade existentes.
Conclusão
Conclui-se pela leitura do artigo que, diversas são as ocorrências e graus do abandono afetivo e abandono financeiro, podendo se dar em relação as crianças portadoras de síndromes, transtornos e deficiências, e nessas hipóteses percebesse que a omissão aos cuidados da criação, companhia e assistência moral, psicológica, social, e afetiva, acarretam danos irreparáveis aos abandonados.
Observou-se ainda que, eventual responsabilidade criminal ou condenação ao pagamento de reparação civil não diminuiriam ou induziriam a cessação da dor dos abandonados, mas tão somente estar-se-ia diante de uma sensação de justiça, o que em si, não elimina ou pacífica o conflito.
Verificou-se além disso, que aos filhos portadores de deficiência independente de terem completado a maioridade, desde que não tenham o necessário discernimento para a prática dos seus atos, ou os que mesmo que por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade em qualquer idade, continuarão recebendo a pensão alimentícia.
O leitor percebeu também que, de forma preventiva a Mediação Familiar poderá ser um meio de solução dos conflitos relacionados ao abandono dos filhos portadores de deficiência, e que poderão os responsáveis legais dos abandonados se valer da Mediação, bem como, de um tratamento multidisciplinar e de oficinas de parentalidade para identificar eventual conflito, tanto no aspecto legal, quanto no emocional, e via de consequência como resultado, encontrar eventuais soluções para as questões, reforçando-se os vínculos familiares.
E aí gostou? Quer saber mais sobre Mediação na área de Família?
Dúvidas e/ou Sugestões em: www.apamec.org.br ou contato@apamec.org.brANSELMO CALLEJON CORRÊA DOS SANTOS, Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela ESA OABSP (2009), Mediador e Conciliador Judicial desde (2016), associado da APAMEC e comentarista do Jornal APAMEC na especialidade de Mediação Familiar. Contato: anselmocallejon@hotmail.com