O DIREITO A HERANÇA E POSSIBILIDADE DE DESERDAÇÃO
O último ano foi decisivo às pessoas de todo o mundo para a reflexão.
Tem sido um período de constante aprendizado e adequação em razão da preservação da vida perante a contaminação pela Covid-19 e a perda repentina.
Não é um assunto rotineiro no seio familiar, falar sobre o destino dos bens amealhados quando do falecimento do proprietário de bens e direitos.
Com o receio de conviver com a insegurança quanto a proteção do patrimônio pessoal ou familiar, houve mais interesse pela busca pelos mecanismos do direito sucessório e sua autonomia.
A exemplo disso, houve maior procura pela contratação de seguro de vida, regularização documental de patrimônio, principalmente com relação aos imóveis, escrituração no formato usufrutos, busca de conhecimentos sobre as regras legais para a doação, para o instituto do testamento, regularização das relações afetivas em função da coabitação e suas consequências jurídicas, tais como união estável, contrato de namoro.
Pela classe das regras empresariais, constatou-se o aumento das empresas familiares nos últimos tempos, também precavendo-se quanto à sucessão, patrimônio e gestão societária.
Ao contratar um profissional da área da Advocacia, ocorre a desmistificação quanto ao planejamento sucessório, tanto familiar, quanto empresarial, como uma ferramenta necessária para organização patrimonial, evitando-se o desgaste do processo de inventário, quer na esfera judicial ou cartorária, além de sua alta carga tributária, que nada vantajoso para os herdeiros ou legatário.
Os efeitos de Ação Judicial para a questão da sucessão patrimonial (bens e direitos) implicam por vezes alto desgaste do relacionamento entre os envolvidos, altíssimo valor de custas processuais, grande prejuízo quanto a administração ou preservação do patrimônio, até pelo decurso de vários anos para a sentença final resolutiva.
Quando a pessoa falece sem precaução quanto a sucessão patrimonial de bens ou direitos, todo o patrimônio será transmitido para os herdeiros legítimos, conforme legislação pertinente.
Em vários casos, a capacidade administrativa do herdeiro legítimo é insuficiente e leva a dilapidar todo o patrimônio amealhado pelo de cujus, durante toda sua vida.
Desta forma, o proprietário de bens ou direitos faz sua escolha sucessória dentre as que disponíveis no leque do Direito Sucessório, como forma de proteger o patrimônio adquirido, preservar sua história patrimonial, em função da relação afetiva e herdeiros necessários ou legatários, como por exemplo, a DOAÇÃO e o USUFRUTO, o TESTAMENTO, a HOLDING FAMILIAR e o INVENTÁRIO.
Os testamentos mais usuais são: Público, particular, fechado ou Cerrado e Testamento Vidal.
Neste artigo, trataremos do TESTAMENTO e da DESERDAÇÃO.
O TESTAMENTO, é um dos instrumentos que podem ser utilizados no planejamento sucessório, pela vontade do proprietário sobre a destinação de bens e direitos após seu falecimento, para a partilha de bens de até 50% do seu patrimônio. O remanescente de 50% será destinado aos herdeiros necessários, obedecendo o rigor da legislação, inclusive sobre a ordem preferencial na linha sucessória para a partilha de bens, o direito dos incapazes e dos menores de idade.
A Lei exige que o testador seja maior de 16 anos, tenha pleno discernimento sobre os aspectos legais do testamento e sua proporcionalidade de preservação do quinhão de direito dos herdeiros, estar em plena saúde física e mental e com manifestação de sua vontade de forma consciente.
PROCESSO DE DESERDAÇÃO NA ORDEM DO TESTAMENTO:
Como em todo relacionamento familiar, é possível que com o passar do tempo ocorra desavenças tão severas que justifiquem ao testador, sua mudança de opinião quanto ao eleito como beneficiário de seu testamento.
Não se trata de mero dissabor na qualidade de relacionamento afetivo, mas de ato que o considere indigno de tal benefício.
Há que se fazer prova inequívoca da veracidade da causa alegada para a deserdação de um ou mais de seus herdeiros. Observada a tempestividade dessa prova no processo testamentário, poderá ocorrer a posteriori, ou seja, em até quatro anos da abertura do testamento.
O ato de deserdação, antes da abertura da sucessão, não é prática automática, não pode configurar ameaça pela ira, descontentamento ou desilusão e deve conter declaração de causa expressa no testamento – Artigo 1964 do Código Civil.
É ato privativo do autor da herança, com capacidade de saúde e mental, além de consciência do ato de deserdação, devido ao caráter personalíssimo do testamento, pela manifestação de vontade em testamento válido.
É um processo em que se observa os critérios de causas na conformidade com o artigo 1814, que em regra, segue o mesmo requisito da exclusão, por uma sentença judicial, acrescidas das hipóteses previstas nos artigos 1962 e 1963 do mesmo diploma legal, que tratam da prática de ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com o cônjuge do genitor autor da herança, prática de desamparo pela alienação mental ou doenças graves contra um ou os genitores.
Observa-se que o caminho inverso também acontece, quando a causa ilícita é por ato praticado pelos genitores contra seus filhos.
O efeito da deserdação atingirá tão somente o herdeiro deserdado, sendo certo que se este tiver filhos, estes poderão representar seus pais na sucessão, porém, o deserdado não poderá se beneficiar da herança, nem administrar, nem ter usufruto, por exemplo.
A deserdação diferencia da Exclusão perante o direito sucessório, já que a primeira é ato unilateral do autor da herança, enquanto que a exclusão é ato de um ou todos os herdeiros, por prova inequívoca de indignidade, pelos atos ilícitos praticados pelo herdeiro a ser excluído e este perde seu direito sucessório.
Os interessados deverão ajuizar a ação de indignidade, podendo atingir tanto os herdeiros necessários, quanto aos testamentários, herdeiros colaterais ou demais pessoas inseridas no testamento, com prazo de até quatro anos após aberta a sucessão.
A MEDIAÇÃO FAMILIAR NO DIREITO SUCESSÓRIO:
As partes de um direito sucessório em conflito, poderão contratar um profissional da Advocacia em Direito de Família para orientação técnica, que além de avaliar a condição documental dos bens e direitos a serem partilhados, orientará o possível testador quanto a eficácia do documento a ser redigido, a legalidade do quinhão partilhável e a reserva necessária aos herdeiros da linha de sucessão.
Podem optar também pela MEDIAÇÃO FAMILIAR, precavendo-se quanto aos dissabores de uma ação judicial de inventário, com objetivo de benefício conjunto, em ato voluntário, exercida por terceiro imparcial, mas munido de técnicas adequadas para a identificação do real interesse e desenvolver soluções consensuais.
É a MEDIAÇÃO FAMILIAR um método de tratamento adequado ao conflito existente em processo de inventário, partilha de bens e direito sucessório, quando envolto esse conflito quanto às necessidades sociais, afetivas, restabelecimento de vínculos, pois possibilita que as partes controlem todo o procedimento, com autonomia, com celeridade e economia processual, para acordos realmente satisfatórios para todos os envolvidos. É durante o processo de mediação que a percepção sobre a motivação do conflito tende a se esclarecer e construtivamente, eliminar falhas das tentativas de entendimentos anteriores, onde as partes encontram a melhor solução adequada e restabelecer o relacionamento entre os interessados com objetivo futuro.
É o momento de desgaste das relações, extenuante para todos, pois imbuído de grande carga emocional, ensejando desavenças.
Antes do passamento do proprietário dos bens ou direitos, a busca pela mediação poderá ser para a lavratura de uma escrituração de bens pelo regime de usufruto, doação em face de uma parte menos abastada, por exemplo, com a anuência de todos.
Após a abertura da sucessão, poderá a MEDIAÇÃO FAMILIAR contribuir para a partilha amigável sem impedimentos legais, finalizada em uma escritura pública e anexada ao inventário, ou em um acordo homologado pelo Juiz (Artigo 2015 do Código Civil).
Dentre os bens a serem partilhados podem existir bens de valor sentimental, mais para uns que para outros dos herdeiros, munidos pelo sentimento de recordação, e, com a MEDIAÇÃO, será construída a melhor solução ou destinação pelo sentimento ( a decisão judicial “salomônica” é enrijecida e poderá ser pela venda e distribuição do valor obtido), assim, o ideal para não só para a preservação da memória do falecido, mas para a preservação da harmonia e boa convivência afetiva entre as partes herdeiras.
O PERDÃO ou REABILITAÇÃO DO INDIGNO
PERDOAR as ofensas e mágoas havidas entre o autor da herança e seu herdeiro, por si só, não afasta a deserdação. Há que se reabilitar o indigno nos termos do Artigo 1818 do Código Civil.
A reabilitação produzirá efeito a partir da emanação da manifesta e expressa vontade do autor da herança, passível de revogação ainda, se reincidente a conduta do antes indigno.
O PERDÃO é implícito quando o testador que perdoa e não revoga a deserdação inserida no testamento, mas em novo testamento não repita a cláusula de deserdação. No entanto, o testador poderá expressar seu perdão ao indigno ou deserdado, consignando-o em novo testamento, revogando-se o anterior, sem margem de dúvida.
O perdão do testador em relação ao deserdado, por ato indigno, será resultado de uma MEDIAÇÃO FAMILIAR frutífera, com a apaziguação dos ânimos, releitura da motivação do conflito ou prova ausência de dolo na intenção de ofensa, com o restabelecimento do vínculo afetivo entre os envolvidos.
(WERA LUCIA MUNIZ – Advogada, Conciliadora e Mediadora Judicial atuante no CEJUSC de Ouroeste SP.)