CAIO CESAR INFANTINI GRADUADO EM DIREITO PELA PUC/SP (1991). PÓS-GRADUADO EM DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL PELA EPD (2008). LL.M. (MASTERS OF LAW) EM DIREITO EMPRESARIAL PELO CEU LAW SCHOOL (2018). MEDIADOR PRIVADO CERTIFICADO PELO ICFML
EM CONJUNTO COM A UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PORTO (PORTUGAL). MEMBRO DO GEMEP|CBAR E DA COMISSÃO ESPECIAL DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO DA OAB/SP. CONSELHEIRO DA APAMEC. ADVOGADO.
A ideia de escrever este artigo surgiu depois de eu ter participado de inúmeras “lives” ao longo de 2020, e já neste início de ano, acerca da importância da mediação, como método adequado de prevenção e solução de conflitos, dentro do chamado sistema multiportas de acesso à Justiça.
Nunca se falou tanto sobre mediação de conflitos como em 2020. E essa tendência deve se manter ao longo de 2021, pela perspectiva de se prolongar a pandemia da covid-19, com nefastos e previsíveis efeitos, inclusive para as relações jurídicas como um todo.
Mais do que falar sobre mediação, ela precisa ser utilizada. Para ser utilizada, as pessoas precisam conhecê-la, entendendo a sistemática de seu funcionamento e os benefícios de sua utilização.
Diante disso, a pergunta que há de ser feita é: você sabe o que é mediação? Por que usá-la, especialmente nas relações negociais e empresariais?
Essa tem sido a temática de nossos encontros de todas as quartas-feiras no Jornal da APAMEC, e convite que faço, agora, é para deixar registrados por escrito alguns dos assuntos que temos tratado semanalmente.
Vivemos em um sistema em que estamos interligados e somos interdependentes uns dos outros. Por vivermos em sociedade, não há isolamento absoluto, e restam pouquíssimos eremitas — se é que ainda existem. De uma forma ou de outra, todos nos relacionamos com outras pessoas e instituições diversas, estas com ou sem personalidade jurídica (associações, ONGs, OSCIPs, condomínios, espólios etc.), com o Estado (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), e com empresas, que fabricam e comercializam produtos diversos e nos prestam serviços das mais variadas naturezas.
As empresas, que são o foco deste breve trabalho têm uma organização própria, pois através delas se desenvolvem atividades econômicas organizadas para a produção ou a circulação de bens ou de serviços e a obtenção de lucro.
Um primeiro aspecto que precisa ser mencionado, dentro desse panorama, é que a empresa não existe sem o empresário. Com isso, quero dizer que não existe uma pessoa jurídica sem uma pessoa física por trás, por mais remotamente que esteja. Se tirarmos as pessoas das empresas, restarão apenas as coisas móveis ou móveis, os bens materiais ou intangíveis. Mesmo que contemporaneamente haja muitas relações de coisas com coisas (vejam-se o exemplo da internet das coisas e da servidão predial), nada disso tem razão de ser se não for a presença do ser humano, que dá sentido ao que constrói, e é a própria razão de ser de tudo aquilo que não seja natural.
Resumindo: a empresa é extremamente importante por causa das pessoas. Vejamos o porquê.
A mediação é um meio adequado para a prevenção e a solução de conflitos em que haja, preferencialmente, um vínculo anterior entre as partes. Nela os interessados buscarão compreender as questões e os interesses em disputa, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, e com o auxílio do terceiro multiparcial (o mediador), soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Exatamente por isso, muitas vezes, quando falamos de interesses e necessidades, precisamos tratar também de sentimentos, e mesmo em questões empresariais, como há pessoas por trás das empresas, interesses e necessidades, muitas vezes, estão fortemente ligados a questões emocionais (sentimentos). Por mais que seja preciso separar as pessoas dos problemas, tratando-os objetivamente, não subjetivamente, não se podem ignorar os sentimentos das pessoas para evitar ou remediar o conflito.
Isso fica muito claro, por exemplo, quando analisamos as empresas familiares, geralmente constituídas entre parentes consanguíneos ou por afinidade, para a todos prover em suas necessidades.
Retomando o fio da meada, porém. Essa atividade empresarial, via de regra, é exercida por sociedades unipessoais ou com dois mais sócios (parentes ou não), e as relações entre essas pessoas decorrem de contratos ou estatutos; ou seja, são verdadeiras relações jurídicas, com as quais as partes criam, para si e para a empresa, direitos e obrigações além daqueles legalmente previstas em lei, com efeitos a serem observados, inclusive, quanto a terceiros.
E eis que chegamos à palavra-chave para entender a importância da mediação empresarial: relação!
Uma das finalidades da mediação é atuar, preventivamente, para evitar a eclosão dos conflitos, e outra é tentar solucioná-los depois que o litígio estiver em curso. Em ambas as situações, a mediação tem como motivação a preservação das relações, para que se garantam a estabilidade e a segurança necessárias para trocas justas e desenvolvimento das atividades produtivas e da economia. Entre outros benefícios, isso tudo gera circulação de riquezas, renda, empregos e receitas tributárias, e sem essa atividade empresarial (leia-se: sem essas relações), não há fonte de custeio para as atividades do Estado e dos particulares nas chamadas economias de mercado, tal qual as conhecemos e vivemos em nossos dias.
Muitas são as relações empresariais: dos sócios entre si ou com sucessores dos sócios; dos sócios com a própria empresa; da empresa e/ou dos sócios com investidores; da empresa com seus colaboradores (empregados, terceirizados, contratados, autônomos, avulsos, intermitentes etc.); de colaboradores com colaboradores ou superiores hierárquicos; de um departamento interno com outro, dentro da própria empresa; da empresa com outras empresas ou pessoas físicas (fornecedores, clientes, consumidores, bancos, e assim por diante); e da empresa com o Poder Público (questões fiscais, regulatórias, ambientais e compliance etc.), entre inúmeras outras (citei apenas algumas relações internas e externas das empresas; muitas outras há).
Se é assim, também é natural que muitos conflitos surjam no decorrer dessas relações. E esses conflitos, também internos ou externos, podem ser evitados ou solucionados pela mediação — sim: a mediação não serve apenas para tentar solucionar conflitos; ela também ajuda a preveni-los, como já observei anteriormente.
Mediação não é panaceia para todo e qualquer tipo de conflito, e não terá lógica ou sentido partir para esse caminho se não houver um ambiente colaborativo, em que as partes envolvidas, voluntariamente, e dentro da mais absoluta boa-fé, se disponham a tratar de suas questões, assumindo suas responsabilidades pelo surgimento da disputa, com coragem para enfrentá-la.
Mesmo assim, a maior parte dos conflitos decorrentes de relações continuadas, fugazes ou duradouras, pode ser objeto de mediação. Entendo que ela pode ser ajustada às características particulares de cada conflito, sem descurar que razão e emoção coexistem quando se trata de pessoas.
Portanto, podem ser objeto de mediação conflitos familiares, comunitários, escolares, ambientais, organizacionais, penais, trabalhistas, médico-hospitalares e empresariais, e mesmo nas situações envolvendo direitos indisponíveis que admitam transação (acordo).
Se o conflito não for solucionado por meios autocompositivos (negociação, conciliação e mediação), somente restará o caminho do Judiciário ou da arbitragem, em que a decisão deixa de estar sob o controle das partes envolvidas, porque será atribuída a um terceiro com poder de julgamento (juiz ou árbitro).
Prefiro deixar para falar da arbitragem, eventualmente, numa outra ocasião, voltando minha atenção para alguns números relacionados aos processos judiciais no âmbito do Poder Judiciário, conforme informações do último relatório “Justiça em números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ):
Note-se: esses dados são de 2019, consolidados no início de 2020. Isto é, são de antes da pandemia.
Vejamos, agora, números posteriores à chegada da pandemia no Brasil:
Ora, estou falando sobre auxílio emergencial, IGP-M, custo do Judiciário, mortes por covid. O que isso tem que ver com a mediação empresarial?
Tudo. Absolutamente tudo!
Já era assustador o volume de causas submetidas ao Poder Judiciário, no Brasil, antes da pandemia, consumindo recursos financeiros que fazem a nossa Justiça uma das mais caras do mundo, sobretudo quando comparada com os sistemas de Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália, Argentina, Chile e Portugal. Todos eles gastam menos que nós.
Como visto, um dos efeitos da pandemia será a diminuição de recursos financeiros, que já escassos em nosso pobre país rico e subdesenvolvido. A atividade econômica está sofrendo, e sofrerá ainda mais, forte retração. Consequentemente, de um lado, a capacidade estatal de investimentos diminuirá com uma arrecadação menor; de outro, é de se esperar um aumento do número de conflitos, muitos deles envolvendo aquelas relações, acima exemplificadas, decorrentes da atividade empresarial e dos negócios como um todo.
Sem recursos humanos e financeiros adicionais, o Judiciário, por mais eficiente que fosse ou viesse a se tornar, não daria conta de julgar mais processos além daqueles que já abarrotam seus escaninhos. E julgar processos, como se sabe, acaba com o processo, não com o problema: muitas vezes não resolve o conflito.
Já se faz tarde, portanto, o momento de os empresários conhecerem e utilizarem a mediação como forma de prevenir e resolver litígios, pois a recuperação econômica do país passará, necessariamente, pelo empreendedorismo, pelo investimento privado e pela atividade econômica produtiva nas mais diversas áreas, sobretudo a indústria, o comércio e a prestação de serviços. Sem qualquer conotação ideológica, sem atividade empresarial não haverá circulação de riquezas, renda, empregos e receitas tributárias, pois mais desiguais e/ou injustas que elas sejam no Brasil.
Mesmo que não estivéssemos em momento tão crítico, de verdadeira calamidade pública sanitária, a mediação já deveria estar sendo utilizada empresarialmente, por se mostrar adequada para prevenir ou solucionar conflitos decorrentes da elaboração e alteração de contratos ou estatutos sociais de empresas, acordos de acionistas ou sócios, instrumentos contratuais relacionados a operações de fusões, aquisições, incorporações e fusões, memorandos de entendimentos (MOU), contratos de compra e venda de ações (SPA), contratos de depósito (escrow agreement), recuperação de créditos, e recuperação extrajudicial e judicial de empresas.
Muitas dessas relações comerciais e empresariais, assim como os conflitos delas decorrentes, não são exclusivas das empresas multinacionais, grandes sociedades anônimas ou grupos econômicos: empresas de pequeno é médio ponte, e até mesmo sociedades empresárias unipessoais, podem se deparar com relações jurídicas e conflitos dessa natureza, e também podem se aproveitar da mediação.
E por que recorrer à mediação?
A resposta, embora não tão curta, é simples.
Primeiramente, porque a mediação é sigilosa. Mesmo que seu resultado seja infrutífero, os assuntos discutidos em seu âmbito, e que não forem de conhecimento da outra parte ou de terceiros, não podem ser divulgados: prevalece a confidencialidade, extremamente importante para fins estratégicos e de preservação da imagem institucional (processos judiciais, no mais das vezes, são públicos).
Em segundo lugar, a mediação é muito mais barata e rápida do que um processo judicial. Assim, do ponto de vista econômico ela é muito mais vantajosa.
A mediação também proporciona a manutenção das relações, o que aparentemente pode não representar um efeito imediato, mas que pode ser interessante a médio e longo prazo quando se trata de relações comerciais. Em processos adversariais, como o são as disputas em juízo, a tendência é a escalada do litígio, destruindo-se ou tornando difícil — quando não impossível —a manutenção ou o restabelecimento das mencionadas relações.
Por fim, mas não menos importante, na mediação as partes mantêm o controle sobre o procedimento e sobre suas decisões, sempre cuidando de seus interesses, de suas necessidades, e dos sentimentos que os alimentam ou que deles decorrem. Evidentemente um acordo total ou parcial dependerá do consenso entre as partes. Mesmo assim, no processo judicial elas não estarão em situação de sujeição ao rito judicial e à decisão de um terceiro (Estado-juiz), nas mãos de quem estará o poder que, na mediação, as partes conservam em suas mãos.
5. Conclusão
Há desvantagens de optar pela mediação? Há quem diga que sim. No entanto, como este artigo visa contribuir para que as pessoas entendam a mediação, e a utilizem, razão pela qual vou me limitar a uma dificuldade de se adotá-la: as restrições da mediação em questões relacionadas ao Poder Público.
Resumidamente, estas são as linhas mestras do procedimento de mediação, recomendável (não apenas, mas também) nas relações negociais e empresariais, antes, durante e depois dos tempos de pandemia, como forma de buscar a prevenção e a solução de conflitos.
É claro que muitas perguntas não foram respondidas com este breve artigo. E uma delas é como chegar à mediação.
Esta resposta, entre outras, ficará para uma próxima oportunidade.