O Covid-19 não é apenas um problema de saúde global, mas também um problema com outras faces interconectadas de natureza econômica, ecológica e social. Estas o convertem, de fato, em um problema sistêmico e político sobre o qual convém refletir.
Esta visão sistêmica (enxergar e compreender o todo por meio da análise das partes que o formam) está baseada na síntese elaborada por Bert Hellinger, filósofo, pedagogo e terapeuta alemão. Quando Hellinger começou com esse trabalho falou das “ordens do amor” e referenciou o trabalho sistêmico e a existência delas. Quando essas leis ou ordens são seguidas de uma forma ecológica, os relacionamentos humanos dão certo. Se desrespeitadas, há conflitos, doenças e sofrimento.
São elas resumidamente:
1ª Lei: Todos têm o igual direito de pertencer. A Lei do Pertencimento diz que todos que fazem parte de um sistema familiar jamais podem ser excluídos ou deixarem de pertencer.
2ª Lei: Hierarquia de tempo, os mais antigos vêm primeiro. Dentro de um sistema, a hierarquia é comandada pela precedência no tempo. Isso significa que aqueles que vieram antes têm autoridade sobre quem veio depois.
3ª Lei: O equilíbrio entre o dar e receber. Esta lei é muito bem descrita por Bert Hellinger.
“O equilíbrio entre o dar e o receber é a condição indispensável para um relacionamento bem-sucedido. Entretanto, deve-se levar em consideração que nem todos podem dar tudo, e que também nem todos podem receber tudo. Cada um está limitado naquilo que pode dar e naquilo que pode receber. Com isso é colocado, de antemão, um limite ao dar e ao receber. Em um relacionamento bem-sucedido também é preciso que dê somente tanto quanto o outro possa receber e que se deseje e receba somente o tanto que o outro possa dar.” Bert Hellinger
A visão sistêmica traz três aspectos inovadores e essenciais para a compreensão da manifestação de doenças nas pessoas.
Trata-se de compreender o seu pertencimento, a sua ordem de manifestação e o tipo de compensação que os organismos buscam para adquirirem os seus equilíbrios vitais através de adoecimentos. No caso de uma doença infectocontagiosa como o corona vírus, que altera a conduta de comportamentos não só dos indivíduos infectados, mas também de caráter contagioso que assume proporções pandêmicas. Neste caso, é preciso compreender a manifestação desta doença não apenas no âmbito individual em uma família, mas precisamos compreender as questões sociais, dos grupos e de todo um país, dada as proporções em que se manifesta a doença.
Uma vez que sua contaminação atinge a todas as pessoas indistintamente, seu processo de contaminação tem relação com questões sistêmicas das políticas públicas e das questões da saúde social de todo o povo do país infectado. Neste sentido, a ciência sistêmica pode trazer uma compreensão que nos dá perspectivas ampliadas, capaz de trazer novas compreensões para uma condução terapêutica eficaz. A visão sistêmica não percebe apenas o indivíduo que traz alguma questão a ser resolvida, mas todo o grupo, todo o sistema do qual faz parte.
Existem pesquisas científicas que demonstram que várias novas espécies de vírus existentes atualmente estão relacionados a fenômenos como os buracos na camadas de ozônio. Estes buracos na biosfera foram causados pelo desmatamento e algo tomou o lugar, no caso, os novos vírus que vieram ocupar o espaço das árvores que foram mortas.
Alguns dos transtornos naturais revelam uma exclusão ocorrida no sistema, que para compensar essa falta cria algo que preencha esse vazio. Enquanto não é resolvido o padrão de exclusão do sistema ele é levado por gerações, até que ocorra uma reparação, voltando a incluir o que foi tirado.
Atualmente vivemos o momento de extrair mais recursos naturais do que podemos compensar e isso gera um grande desequilíbrio.
Aqui entra em jogo outra ordem ou lei: “o equilíbrio entre dar e tomar”. Essa visão ecológica é complexa, os sistemas seguem essas leis. Resumindo de forma breve, quando falamos de sistemas estamos olhando para o todo e as relações interdependentes que há nesse todo. Olhar sistemicamente para os problemas é entender de uma forma global uma questão que antes era vista isoladamente, sem relação com a infinidade de variáveis com que podem estar vinculadas.
Qual é a lição apreendida que podemos tirar desta pandemia?
Essa consciência sistêmica é criada para podermos nos comportar de diferentes maneiras frente às problemáticas e desconfortos similares, e o mesmo vale para questões pessoais e profissionais.
Estamos vivendo uma era onde pensamento, estudos e práticas sistêmicas já foram reconhecidos como parte importante dos processos de clareza, de solução e de quebra de padrões (com algumas técnicas já reconhecidas pelo SUS e pelo sistema judiciário brasileiro) o que nos permite ir além e utilizarmos esse conhecimento sistêmico para prevenir, aprender e até ajudar a solucionar questões globais, como a que estamos vivendo neste momento.
A sabedoria deste sofrimento pode ser tomada como aprendizado universal e humanitário e oferece um precioso ensinamento, uma vez que toda a dor e sofrimento podem ser levados para além do campo e por meio de sistemas podem cobrir o mundo inteiro, estendendo ao cosmos e permitindo que cada um possa nesta remissão contribuir como membro parte de uma só humanidade.
Podemos ter a consciência que a propaganda dos grandes grupos econômicos e dos meios de comunicação oculta à realidade e nos impede de entender adequadamente o que está acontecendo, portanto transformar a complexa estrutura social de um trem sem freios, como o capitalismo, requer imaginar uma sociedade diferente e fazer uma mudança radical nas políticas globais sistêmicas em ecologia, economia e saúde, que desenhem e experimentem formas alternativas de vida em um modelo produtivo e de consumo mais justo, homeostático, simples e saudável. Um primeiro passo necessário é não nos enganarmos com as informações incompletas, emocionais ou tóxicas do relato midiático hegemônico sobre o corona vírus e tentar entender a crise sistêmica que oculta.
O combate contra o corona vírus exige “humanizar as indústrias comprometidas com o bem comum’’. Tanto a epidemia, quanto a crise econômica são globais e só poderão ser resolvidas com a cooperação global. Através de uma visão transdisciplinar passamos a ter um olhar transgeracional para as questões que nos atravessam.
Esse é um momento histórico em que estamos em transição de um paradigma newtoniano, positivista, cartesiano na direção de um mais amplo e interdependente paradigma sistêmico.
Qual a consciência apreendida frente a essa nova realidade? E como iremos nos comportar neste novo mundo?
São questões que podemos neste isolamento social refletir e nos preparar para sermos agentes conscientes da Nova Era.
Patricia da Mota Tomiatti
Gestora em saúde pública. Terapeuta Transpessoal. Facilitadora em Constelação Sistêmica Familiar e Organizacional. Master Training Practitioner em PNL.